Título: Dólar barato atrapalha negócios e estratégias
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Brasil, p. A6

O câmbio valorizado já afeta os negócios e a estratégia das empresas, que enfrentam ainda o contratempo dos juros elevados. Algumas companhias já estão perdendo contratos de exportações devido ao dólar barato, e se vêem obrigadas a reduzir custos para compensar a menor competitividade. Quem exportava pouco e planejava ampliar as vendas externas começa a rever seus projetos, ao mesmo tempo em que grandes importadores encaram o real valorizado como um alívio de custos. O comportamento volátil do câmbio, porém, é motivo de preocupação tanto de exportadores como de importadores, que reclamam da falta de previsibilidade. A Becton Dickinson (BD) é uma das empresas que estão sofrendo com a valorização do câmbio. Companhia de tecnologia do segmento médico, a BD já perdeu três contratos de exportação devido ao dólar barato, dois para os Estados Unidos e um para a Ásia. Além disso, é possível que a empresa perca outro para a Europa, afirma o presidente da BD, Geraldo Barbosa. Segundo ele, quem fez investimentos com o dólar acima de R$ 3 tem aumento de custos com a moeda na casa de R$ 2,60. A empresa exportou US$ 30 bilhões no ano passado, 25% do faturamento. Barbosa diz que está tentando driblar o real valorizado com aumento de produtividade. Por enquanto, a BD não demitiu ninguém, afirma. A empresa, diz ele, contratou mais de 200 pessoas em 2004. Barbosa lamenta ainda o fato de que, com os juros altos, a demanda doméstica deve sofrer alguma desaceleração. Isso não é uma notícia agradável num momento em que as vendas externas são prejudicadas pela valorização do câmbio. O dólar barato também atrapalha os planos de quem pretendia entrar com mais força no mercado externo neste ano, como o Grupo M. Dias Branco, do setor de alimentos. Em 2004, a empresa teve faturamento de R$ 1,7 bilhão, dos quais apenas 1% veio das vendas externas para Portugal, África e América Latina. O diretor de finanças do grupo, Geraldo Luciano, diz que as exportações devem crescer um pouco neste ano, já que a base de comparação é baixa, mas acrescenta que o ritmo de expansão vai ser menor do que o esperado, devido ao câmbio. "O nosso produto fica menos competitivo", afirma ele. O M. Dias Branco produz farinha de trigo, massas e biscoitos. Uma aposta maior nas exportações deve ficar para 2006. Luciano continua confiante nas perspectivas para o mercado interno. Ele diz que os juros elevados podem atrapalhar um pouco, mas não devem impedir que o faturamento cresça de 5% a 6% neste ano, acima dos 4% de 2004. Com a expectativa de continuidade da melhora do emprego e da renda, ele segue otimista. Para a Sherwin Williams, do setor de tintas, o câmbio valorizado é uma boa notícia, já que boa parte das matérias-primas é importada e a empresa exporta pouco. "O dólar barato é um pequeno alívio de custos", afirma o vice-presidente da Sherwin Williams, Mark Hyde Pitt, lembrando que os preços dos insumos no exterior subiram muito. Houve aumentos de 30% a 60%, segundo ele. A valorização do câmbio, desse modo, compensa apenas uma pequena parte desse aumento de custos. Se afirma que o dólar barato tem seu lado positivo para a empresa, Pitt lembra que o câmbio no Brasil oscila muito. "Nos últimos três anos, o câmbio no Brasil foi um dos mais voláteis do mundo." Com isso, Pitt diz não ter confiança de que o dólar vai se manter nesse nível por muito tempo. Barbosa também reclama da volatilidade do câmbio, pois isso dificulta o planejamento das empresas. Pelo menos por enquanto, o câmbio parece afetar mais a vida das empresas do que os juros altos. Pitt prevê crescimento do volume de vendas de 6% neste ano, o mesmo percentual registrado em 2004. A empresa depende significativamente da construção civil, e as perspectivas para o setor ainda são positivas, avalia ele. Luciano lembra que a aposta é de que os juros não vão continuar nos atuais níveis o ano inteiro. Em algum momento de 2005, as taxas devem voltar a cair, afirma ele, o que deve ter impacto sobre o câmbio. E há empresas cujos negócios dependem muito mais dos preços no mercado internacional do que do nível do câmbio ou dos juros. É o caso da Fosfértil. O presidente da companhia, Francisco Gros, diz que o valor das vendas deve cair um pouco neste ano, "exclusivamente pelo preço do produto no mercado internacional". "Quando o preço cai lá fora, o nosso preço cai aqui." O câmbio não é fundamental, afirma ele.