Título: População rural encolhe 25%, mas cacau ainda move Ilhéus
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Brasil, p. A10

Uma década e meia depois do mal da vassoura-de-bruxa, praga que minou a cultura cacaueira, Ilhéus, distante 465 quilômetros de Salvador, principal cidade da região do litoral sul baiano, ainda junta os cacos e tenta se recompor do baque. Em 1989, a doença foi detectada nas plantações e fez com que a área de cultivo, que já foi de 600 mil hectares, caísse para menos de 100 mil. Hoje, a área é de 450 mil hectares, mas a produtividade ainda não repete a dos áureos tempos. Há ligação direta entre o aparecimento da praga e os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que dizem que, entre os censos de 1991 e 2000, a população da cidade caiu 0,08%, de 223.750 pessoas para 222.127. É um contraste significativo se comparado com o período entre os censos de 1980 e 1990, quando a população avançou 4,66%. Dos 53 municípios que compõem a região do litoral sul baiano, nada menos que 33, ou 62% do total, viram recuar o número de habitantes, que passou de 1.381.994 em 1991 para 1.360.539 em 2000. Com a base da economia sustentada no cacau e com o cacau debilitado pela doença, não restou a muitas famílias outra alternativa a não ser a fuga. Dado ainda mais contundente dos efeitos da vassoura-de-bruxa sobre a cidade são os da queda de quase 25% da população rural do município, que passou de 79.518 para 60.002. Há uma ressalva, salienta José Ribeiro, diretor de estudos e pesquisas da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) e membro da diretoria da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep): na década de 90, a prefeitura de Ilhéus ampliou, por decreto, o perímetro urbano da cidade - o que era área rural passou a ser urbana. Isso não ofusca, entretanto, a ligação entre a crise econômica e o encolhimento da população. Famílias inteiras partiram, por exemplo, para Porto Seguro, 310 quilômetros mais ao sul, para tentar a sorte ou se candidatar a serviços temporários, os "bicos", na crescente indústria do turismo da cidade. Muitas dessas famílias hoje se avizinham no bairro Baianão, na periferia de Porto Seguro. Para aproveitar a experiência dos trabalhadores, alguns fazendeiros acabaram levando famílias para Rondônia para atuar nas plantações de cacau do Estado. A crise dessa cultura, que nos tempos de glória chegou a empregar mais de 400 mil pessoas e a representar mais de 50% das exportações da Bahia, mostra-se ainda no número de assentamentos de trabalhadores sem terra no litoral sul do Estado: eram oito os assentamentos no fim da década de 80, número que se multiplicou mais de 12 vezes e é atualmente de 99, segundo Paulo Demeter, coordenador na Bahia da organização não-governamental Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), que atua em seis Estados e dá suporte a populações rurais e indígenas. "Existe uma cultura muito arraigada na região de que o cacau é bom, sinônimo de riqueza. O cacau tem uma liquidez grande, mas sustentar a economia na monocultura é perigoso", diz ele. O trauma com o declínio do cacau não se mostra apenas nos dados gerais de população e economia, mas também em detalhes do cotidiano. O romancista Jorge Amado, falecido em 2001, nasceu em uma fazenda de cacau da vizinha Itabuna e é orgulho da região - passam-se em Ilhéus romances famosos como "Gabriela Cravo e Canela". A alguns, o orgulho do passado dá lugar ao ressentimento de hoje. "O que Jorge Amado fez pela região foi importante, mas ficou uma imagem de coronelismo, de que aqui só tem coronéis", diz um fazendeiro local. O cacau não deixará de ser a força motriz da economia do litoral sul baiano, mas agora se pensa mais em alternativas para diversificar a economia da região. No campo, que ainda emprega quase um quarto da população economicamente ativa de Ilhéus, há iniciativas para a difusão de culturas como a fruticultura. No turismo, já são 220 mil os visitantes que chegam à cidade por ano. Só o número de transatlânticos que atracam em Ilhéus passou de seis em 2001 para algo em torno de 20 atualmente. Nesse esforço de diversificação, nasceu há dez anos o pólo de informática de Ilhéus. No início acanhado, com apenas uma empresa, o pólo conta hoje com mais de 60 companhias. Somadas, elas faturam em torno de R$ 1 bilhão ao ano e empregam 1.300 pessoas. Segundo os empresários, o pólo enfrenta problemas como o de logística - muitos dos componentes vêm do exterior, mas passam primeiro por Salvador para só então chegar à cidade. O pólo também não amenizou por completo os problemas da crise do cacau. "Ele agregou algo à cidade mais pela diversificação, mas não acrescentou muito ao PIB", diz a economista Milena Souza França.