Título: Nilópolis pede ao IBGE para passar por novo recenseamento
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Brasil, p. A10

Nilópolis é o mais típico exemplo de cidade-dormitório da Baixada Fluminense. Poucas indústrias, forte comércio popular, dispõe de um território de apenas 19,15 quilômetros quadrados, a maior parte dos quais (13,5 quilômetros quadrados, segundo a prefeitura municipal), ocupados por um campo de treinamento do Exército. É o nono menor município do país. A cidade faz parte do grupo que, segundo o Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), perdeu população em relação a 1991. O levantamento mostrou que esse fenômeno ocorreu com 27,2% dos 5.560 municípios do país, a grande maioria dos quais pequenos, com infra-estrutura inadequada, sistema educacional frágil e pequena rede elétrica. Mas esse não é o perfil da cidade fluminense. Espremida entre a Zona Norte da capital e outros municípios da Baixada, Nilópolis tem uma densidade de 8.016,66 habitantes por quilômetro quadrado, a segunda maior do Estado. No Censo de 1991 tinha 158.092 habitantes. No Censo de 2000, o IBGE contou 153.712 moradores, uma redução de 4.380 pessoas, ou 0,31% ao ano. Como muitas outras cidades da Baixada, Nilópolis cresceu às margens dos trilhos da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil e até hoje a estação ferroviária é sua principal referência geográfica. O calçadão da principal rua comercial da cidade, feito para fortalecer o comércio formal, virou um intrincado camelódromo que disputa a clientela pobre com as lojas. Ainda assim, a cidade tinha um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,788 no ano 2000 (na escala do IDH, quanto mais perto de 1, melhor), ótimo para os padrões brasileiros. Foi a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, atual campeã do carnaval do Rio, que tirou a cidade do anonimato. É um pólo de cultura e de assistência social. Tão importante que seu presidente, Farid Abrão David, é também o prefeito da cidade pelo segundo mandato consecutivo. Ele e sua equipe não aceitam os números do IBGE, dizem que estão errados e que a contagem da população não foi completa. "Nem o prefeito, nem eu e nem nenhum secretário municipal tivemos nossas casas visitadas pelos recenseadores", afirma o jovem chefe de Gabinete da prefeitura, Pherson Coelho Marques Silveira. Segundo ele, o município já fez uma reclamação formal ao IBGE, mas não ficou satisfeito com a resposta recebida e, portanto, está providenciando outra queixa. "Temos mais nascimentos do que óbitos e não temos conhecimento de nenhuma migração importante que justificasse a queda da população", argumenta, mesmo admitindo que a cidade perdeu há pouco tempo duas das quatro indústrias de maior porte que estavam lá instaladas. Ele explica que as perdas foram amplamente compensadas pela abertura de vários estabelecimentos comerciais de grande porte. Para o chefe de Gabinete da prefeitura a vocação da cidade é o comércio. De acordo com dados da Secretaria de Saúde do município, de 1995 a 2000 nasceram 19.422 crianças em Nilópolis, contra 8.672 óbitos registrados no mesmo período, com um saldo de 10.750 para o lado dos nascimentos. Para a prefeitura do município, os dados são mais uma evidência de que o levantamento do IBGE está errado. Mas uma tabulação feita sobre os dados do Censo 2000 pela mestranda da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) Rita Passos mostra que foi justamente o fluxo migratório o responsável pela queda da população do município. Segundo os dados, Nilópolis teve crescimento populacional vegetativo (nascimentos menos óbitos) de 1,1% ao ano, mas registrou um fluxo migratório negativo de 1,41%, o que resultou na queda de 0,31% ao ano da sua população. De 1991 a 2000 Nilópolis recebeu 11.699 moradores de outros municípios do Rio ou de outros Estados e perdeu 18.685 habitantes, com saldo negativo de 6.986 moradores. Dadas as características do município, Rita avalia que a elevada densidade demográfica é a responsável pelo fenômeno. O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Nilópolis, Kildare César da Silva Dias, afirma que o comércio da cidade também não percebeu nenhum refluxo nas vendas que pudesse ter sido causado pela queda da população. "Não sinto que o comércio tenha caído. Agora no Natal tivemos um crescimento de 20% nas consultas (para concessão de crédito) ao cadastro da CDL em relação a dezembro de 2003". Dias reconhece que a falta de área para crescer é um problema. A prefeitura diz que está tentando resolver parte desse problema solicitando que o Exército libere 1.000 metros quadrados da sua área de treinamento (campo de Jericinó) para fins de urbanização. A preocupação da prefeitura tem um motivo forte: é com base na quantidade de habitantes que o município recebe seu quinhão do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). E para Nilópolis isso é um dado vital. No ano passado a arrecadação tributária, que cresceu 137,6% em relação a 2000, ano do Censo, foi de R$ 13,931 milhões, apenas 19,4% da receita total de R$ 71,68 milhões, de acordo com dados da área de Controle Interno da administração municipal. Segundo o trabalho "Perfil Orçamentário dos Municípios da Baixada Fluminense em 2000", dos pesquisadores Delmar José Cavalcante e Marcelo Cardoso da Costa, da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), respectivamente, publicado no "Observatório Ippur/UFRJ-Fase", Nilópolis tinha naquele ano a menor receita orçamentária per capita da Baixada, com apenas R$ 209, contra R$ 378 de Duque de Caxias, a maior cidade da região. Embora afirmando desconhecer as razões do fenômeno de Nilópolis, o economista Rodrigo Valente Serra, professor da Universidade Cândido Mendes e autor de vários trabalhos sobre municípios médios brasileiros, disse que muitas vezes a redução populacional de uma área está relacionada com o surgimento de uma outra, próxima, mais bem equipada em termos urbanos. A chegada do metrô a bairros do Rio limítrofes com os municípios da Baixada poderia ser uma justificativa. O IBGE não quis contestar os argumentos da prefeitura de Nilópolis, argumentando não conhecê-los oficialmente. Em uma explicação geral sobre o trabalho realizado em 2000, o coordenador da Área Metodológica do Censo 2000, Marco Antonio Alexandre, disse que, além de ter criado uma comissão consultiva de especialistas de diversas áreas para acompanhar e avaliar os trabalhos do Censo, o IBGE criou comissões censitárias municipais em todo o país. Elas eram integradas por representantes da sociedade de cada município e entre eles era obrigatória a presença de um representante da prefeitura. "No mínimo foi feita uma reunião intermediária e uma de conclusão dos trabalhos para mostrar os dados preliminares em cada município", afirmou.