Título: BC deveria iniciar ciclo de corte das taxas de juro
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Fonte: Valor Econômico, 05/12/2008, Opinião, p. A12
A economia brasileira desacelerou rapidamente em outubro, e em novembro o processo de contração se manteve. Tornou-se uma possibilidade um recuo no Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre e a provável repetição de resultado negativo no primeiro trimestre de 2009. O Banco Central (BC) interrompeu o ciclo de alta dos juros e já poderia começar a reduzi-los na última reunião do ano do Comitê de Política Monetária, na próxima semana, já que o fantasma do aquecimento ficou para trás e as projeções para o crescimento no ano que vem estão encolhendo progressivamente.
O Brasil teve as maiores taxas de juro real do mundo na fase de grande prosperidade da economia mundial. E mantém as maiores taxas do mundo também agora, em meio à maior crise financeira desde os anos 1930. Mas as condições econômicas alteraram-se drasticamente, e até mesmo o Banco Central Europeu, que foi o último dos BCs dos países desenvolvidos a aceitar que a ameaça inflacionária havia perdido força, começou a cortar rapidamente os juros. Ontem, surpreendeu os mercados ao promover uma redução maior do que a esperada, de 0,75%, para 2,5%. A Europa já está em recessão e a inflação já caminha para os 2% almejados pelo BCE - ele prevê algo como 1,4% em 2009, ante 3,3% em 2008. A inflação americana teve em outubro sua maior queda em décadas e já há preocupações a respeito da deflação.
O BC brasileiro teme o efeito nos preços da valorização rápida do dólar - 58% desde 1º de agosto. Mas as commodities desabaram, embora muitas não chegaram a perder valor com a mesma intensidade do avanço da moeda americana. A cotação do petróleo encostou ontem nos US$ 43 o barril (tipo brent) e US$ 45 (WTI), depois de ter atingido US$ 147 em julho. O comércio internacional não crescerá em 2009. A economia dos países emergentes perdeu vigor e mesmo na China é necessário um pacote de US$ 560 bilhões para impedir que a expansão caia abaixo dos 8% anuais. É pouco plausível imaginar que o Brasil será diferente e que os números muito ruins da produção industrial em outubro (queda de 1,7% em relação a setembro) sejam apenas uma ligeira pausa ou o pior e passageiro momento da crise por aqui.
Porque a crise financeira é muito grave e porque a contaminação se deu primeiro pelo canal de crédito assiste-se a uma série inédita em tempos recentes de cortes preventivos da produção. A indústria automobilística bateu recordes de produção e ao primeiro tombo deu férias coletivas, exemplo seguido por segmentos, como o de bens intermediários. Empresas de setores exportadores, como mineradoras, começaram a demitir, da mesma forma que outras que dependem de crédito, como as da construção civil. As importações estão refletindo a pancada do dólar e o ritmo da economia - declinaram 16,5% em novembro, quando costumam crescer nesta época. O maior recuo ocorreu em bens de capital, um sinal de que o investimento foi uma das primeiras vítimas da crise, como se previa.
Ainda que o consumo mostre bom comportamento no fim de ano, o que não é garantido, ele tenderá a ser fraco no primeiro semestre. A massa salarial deve recuar ao sabor do desemprego e de dissídios menos generosos por parte de empresas cautelosas. Os bancos jogarão na retranca do crédito, como já fazem. A equação do "hiato do produto" se inverteu e um sinal disso é que empresas estão reduzindo a produção, pois há excesso de capacidade. Nestas condições, dificilmente a disparada do câmbio terá impacto relevante nos índices de preços. As condições mudaram rapidamente e não há mais no horizonte ameaças inflacionárias sérias e discerníveis - nem dos salários, nem do consumo, nem da produção.
A tendência da inflação é declinante e, com raras exceções, desapareceu dos radares dos BCs ao redor do mundo. A bússola do passado é de pouca utilidade em circunstâncias excepcionais como agora. Com o olho no retrovisor, a economia brasileira está crescendo mais de 5%, mas olhando para a frente, esse número estará provavelmente na casa dos 3%. As expectativas tornaram-se francamente pessimistas e uma das formas de reagir a ela é mostrar que a política monetária pode ser um estimulante da economia - há tempos no país ela é apenas freio - e reduzir juros ou indicar que se caminha nesta direção. É o que mundo está fazendo. A conferir o que acontecerá no país da jabuticaba.