Título: Lições da tragédia em Mumbai
Autor: Rachman , Gideon
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2008, Opinião, p. A13

No dia em que cheguei a Déli, em setembro passado, terroristas haviam colocado bombas em mercados pela cidade. O recepcionista do hotel Taj avisou-me que estavam aconselhando os hóspedes a não sair, para evitar perigos. O hotel parecia um santuário em comparação ao caos do lado de fora. Quando acionei o detector de metais ao voltar ao Taj, o segurança apenas sorriu e fez uma profunda reverência.

Minha parada seguinte foi o hotel Taj Palace, em Mumbai - palco das trágicas mortes e do cerco da semana passada. Na ocasião, quase não havia segurança. Isso parece ruim agora. Porém, a triste verdade é que podem colocar controles bastante estritos nesses hotéis e ainda assim continuar vulneráveis. Também fiquei no Marriott, de Islamabad, capital do Paquistão, neste ano. Todos os carros que entravam em sua garagem eram revistados em busca de explosivos. Mesmo assim, há alguns meses foi destruído por uma bomba que causou várias mortes.

Especialistas em terrorismo esquadrinharão os ataques em Mumbai à procura de lições e idéias. Aqui estão três. Primeira, os hotéis são, cada vez mais, os alvos escolhidos por terroristas. Segunda, o sul da Ásia, e não o Oriente Médio, é o centro do problema. Por fim, o terror prospera a partir de conflitos - portanto, provocar uma guerra entre Índia e Paquistão seria um triunfo para as pessoas que atacaram Mumbai.

Hotéis de cinco estrelas em países pobres vendem a imagem de santuários, mas progressivamente viram alvos. A lista dos hotéis que ficaram sob ataque de terroristas agora inclui o Taj e Oberoi, em Mumbai; Marriott, em Islamabad; Serena, em Cabul; Grand Hyatt e Radisson, em Amã; Hilton, em Taba; e Marriott, em Jacarta. Hotéis na Europa o América do Norte poderiam facilmente ser os próximos.

Do ponto de vista dos terroristas, é bastante lógico. Hotéis elegantes são alvos de prestígio e estão cheios de estrangeiros ricos e da elite local. São mais fáceis de alcançar do que empresas aéreas e aeroportos, pois freqüentemente estão no centro das cidades e são de fácil acesso.

Parece que os terroristas dos ataques em Mumbai vieram do Paquistão e estavam ligados a um grupo da Caxemira, que por sua vez tem ligações com os serviços de inteligência paquistaneses. Isso - apropriadamente - colocará grande pressão sobre o governo paquistanês para fazer mais no combate aos movimentos jihadistas que se abrigam dentro do país.

Os americanos já estão convencidos de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não poderá vencer no Afeganistão a menos que sejam negadas bases para o Talibã e Al-Qaeda no Afeganistão. Durante a campanha presidencial, Barack Obama tentou salientar suas credenciais em questões de segurança ao falar sobre autorizar ataques contra terroristas dentro do Paquistão.

De fato, tais ataques já são uma ocorrência regular. Os pequenos aviões Predator, operados sem piloto, por controle remoto, podem flutuar em cima de áreas tribais por longos períodos, antes de lançarem seus mísseis. Os americanos dizem que tiveram sucesso significativo em "neutralizar" militantes no Paquistão. Poucos dias antes dos ataques em Mumbai, um ataque com mísseis teria matado Rashid Rauf - um suspeito de terrorismo que estava perto do topo da lista dos mais procurados da Grã-Bretanha.

Contudo, a "guerra contra o terrorismo" não será vencida matando terroristas. Esta certamente era a visão da maioria dos políticos indianos e especialistas em segurança com os quais falei em setembro passado. Eles mostraram-se céticos quanto aos ataques dos EUA dentro do Paquistão e desenvolveram os argumentos usuais. Bombardear bases terroristas suspeitas também provoca vítimas civis. Isso apenas traria novos recrutas para a causa jihadista. A opinião admitida pela maioria em Déli, na época, era que o problema seria mais bem abordado por meio de negociações com o Paquistão.

Ironicamente, os indianos agora estão sob grande pressão para emular as táticas dos EUA que vinham criticando. Alguma espécie de resposta militar indiana aos horrores de Mumbai pode ser inevitável. Os indianos, entretanto, deveriam manter-se em sua moderação o quanto for possível.

Um confronto militar entre Índia e Paquistão - dois vizinhos com armas nucleares - obviamente seria extremamente perigoso. Um confronto com a Índia também fortaleceria todas as forças mais sinistras no Paquistão - os extremistas islâmicos e os elementos no establishment de segurança que os respaldam.

A única solução de longo prazo é fortalecer os políticos civis que perceberam que o apoio do Paquistão no passado a movimentos jihadistas saiu pela culatra. O Paquistão fortaleceu os extremistas para pressionar a Índia e para estabelecer "profundidade estratégica" no Afeganistão. Contudo, agora, a maior ameaça representada pelos movimentos extremistas islâmicos com sede no Paquistão é contra o próprio Paquistão.

O governo central perdeu controle das áreas tribais e de grandes partes da província da fronteira noroeste, além de sofrer terrivelmente com o terrorismo na própria Islamabad. Sabe que sua tarefa de longo prazo precisa ser reafirmar o Estado de direito por todo o país.

Poucos dias antes dos ataques em Mumbai, o presidente paquistanês, Asif Ali Zardari, lançou uma proposta inovadora para melhorar as relações com a Índia, baseada no livre comércio e na renúncia à capacidade do que se conhece como primeiro ataque nuclear, em que se ataca primeiro para impedir o inimigo de usar suas armas nucleares.

Zardari precisa reiterar essa proposta e oferecer completa cooperação na investigação dos ataques em Mumbai. Isso poderia possibilitar ao governo indiano lembrar a sua própria população que o Paquistão também vem sendo vítima do terrorismo extremista islâmico - e abraçar a idéia de uma abordagem conjunta para derrubar o problema.

Um pacto conjunto entre Índia e Paquistão para derrubar o terror parece improvável no momento, enquanto cresce a tensão entre os dois países. Contudo, se a tragédia em Mumbai acabar levando a relações melhores entre Índia e Paquistão - em vez de a um novo conflito - isso seria uma verdadeira derrota para os terroristas que atacaram a cidade mais vibrante e aberta da Índia.