Título: "Não falei em corrupção ou falência"
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Política, p. A12

O BNDES foi a grande instituição federal que herdou problemas graves do governo anterior, razão pela qual vem sendo apontado como a origem das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Vitória. O ex-presidente da instituição Carlos Lessa diz que viveu muitas situações difíceis, por conta dos "esqueletos da privatização", das inadimplências de operações mal feitas e outras que levaram o banco a fechar com prejuízo de R$ 2,5 bilhões, no primeiro semestre de 2003. Em março daquele ano, as provisões para créditos duvidosos somavam R$ 5,2 bilhões, um recorde. Mas, reafirmou que nunca falou em falência e nem se referiu a suspeita de corrupção no banco em conversas com o presidente da República. A seguir os principais trechos da entrevista concedida por telefone ao Valor. Valor: Logo que assumiu a presidência do BNDES, o sr. se referiu aos esqueletos da privatização que teria herdado da administração anterior... Carlos Lessa: Vocês sabem, vocês estavam lá. Minha vida no BNDES foi amplamente documentada. Antes de sentar na cadeira do banco relatei ao presidente Lula que recebia o BNDES vindo de uma reforma que foi um desastre. O BNDES foi desviado de suas funções. Virou um banco de investimento e negócios. Fiz outra reforma para transformá-lo em banco de desenvolvimento. Rodei 26 superintendentes, coloquei 12. E tinha os esqueletos das privatizações. Comecei logo a brigar com o da AES/Eletropaulo, de US$ 1,2 bilhão. Valor: Que conseqüências teria este esqueleto para sua gestão no banco? Lessa: Esse esqueleto me assombrava. Se não o resolvesse teria que realizar provisões, senão o patrimônio de referência do banco cairia e teríamos dificuldades de emprestar por conta de restrições do Conselho Monetário Nacional. Valor: Mas, o sr. acabou conseguindo uma solução. Lessa: Fomos ao Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda) pedir que ele capitalizasse o banco. Mas, a capitalização não saiu. Apesar disto, conseguimos completar a renegociação com o grupo americano AES. Depois de termos amargado o primeiro prejuízo da vida do banco no primeiro semestre, de R$ 2,5 bilhões, principalmente por conta das provisões de inadimplência da AES, da AES/Cemig e da Chapecó, de mais de R$ 4 bilhões, o banco fechou 2003 com lucro. Valor: Logo no início da sua gestão o sr. criticou as garantias oferecidas em várias operações de financiamento... Lessa: Isto era um problema. As operações que encontramos, muitas delas não tinham formatação bancária tecnicamente adequada, nem garantias jurídicas adequadas. Valor: Alguma delas revelava indício de corrupção? Lessa: Nunca disse isso. Não existiu no meu vocabulário a palavra corrupção ou falência. Não falo em corrupção, nem em falência. Isso é matéria do Judiciário. A qualquer indício, teria avisado o Ministério Público e mandado fazer sindicância em tudo. Nunca fiz isso. O que eu disse publicamente é que sem garantia não emprestaria mais dinheiro. E aí, a Câmara Americana me atacou pesadamente. E nenhum de vocês me defendeu. Sem garantia, ficamos na mão de uma empresa do Caribe. O que fazer? Executar uma empresa de fachada? Abrir um contencioso por 10 a 15 anos, que iria custar uma fortuna? Optei pela negociação. E renegociei sem baixar as calças. A embaixadora (dos Estados Unidos no Brasil, Donna Hrinak) tentou que fizéssemos acordo (com a AES). Eu lhe disse que, como banqueiro, tinha que cobrar. E, por isso, fui chamado de dinossauro. Valor: Mas, privadamente, com o presidente Lula, o sr. não chegou a falar em corrupção? Lessa: Corrupção, não. Eu disse ao presidente, ao Dirceu (José Dirceu, da Casa Civil), ao Furlan (Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento) e ao Mantega (Guido Mantega, à época no Planejamento) que havia herdado uma carteira muito ruim e lhes pedi que me apoiassem na capitalização do banco. Valor: Mas tinha outros esqueletos... Lessa: Sim. Por exemplo os US$ 700 milhões da AES/Cemig, ainda não resolvidos (a Cemig teve 30% do seu capital vendido para a Southern Eletric Brasil, consórcio do qual a americana AES era a maior acionista, com 65,5%, o Opportunity, minoritário, com menos de 10% e a Mirant, com o restante). Valor: Tem também a Chapecó. Lessa: A Chapecó, não era privatização. Foi uma operação de apoio muito mal feita, de cobertor curto. Valor: E as telecomunicações tinham problemas? Lessa: Nas telecomunicações perdemos no caso da Americel e da Telesp. Fomos passados para trás pelo Grupo Slim (mexicano que comprou a Embratel). A Light não chegou a ser esqueleto, mas até hoje é uma preocupação. Os principais esqueletos estavam no domínio do setor elétrico, que tinha uma exposição de R$ 21 bilhões com o banco. A Embraer deu trabalho, mas nunca foi esqueleto. Valor: A que o sr. atribui o fato de o BNDES estar sendo apontado como a origem das declarações do presidente Lula? Lessa: Atribuo isto à visibilidade do banco. Pelo seu tamanho. Ele é imenso. Mas pode ser outra instituição sim. Valor: Qual, a Previ? Lessa: Vocês são macacos velhos e não terão dificuldade de tirar uma conclusão.