Título: Governo Lula precisa definir foco para 2005
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Política, p. A12

O presidente Lula chega à segunda metade de seu mandato vivendo uma situação esquizofrênica. Por um lado, ele tem altíssima popularidade, desempenho econômico apontando para uma média de crescimento melhor do que a alcançada nos anos FHC e o gasto social deve aumentar até o final do período. Mas, de forma estranha e paradoxal, o Executivo está muito descoordenado em suas ações legislativas, o PT não consegue se enxergar no Governo - nem mesmo naquilo que a população aprova - e, pior de tudo, os petistas anteciparam equivocadamente o clima de tensão pré-eleitoral, como bem mostrou o discurso presidencial no Espírito Santo, o que só favorece a oposição. Aqui reside o problema e a solução tem nome: o Governo Lula precisa definir o seu foco de atuação para o ano de 2005. Para tanto, seria interessante a gestão petista se inspirar no planejamento estratégico que orienta as administrações públicas e privadas bem sucedidas em todo o mundo. O princípio que as norteia é simples: como nenhuma instituição pode atingir todos os objetivos que almeja e os meios que detém - tempo, recursos e apoios - são sempre relativamente escassos, ela precisa definir seu foco de atuação para um determinado período. No caso em questão, o Governo Lula precisa ter foco em três aspectos: definição clara da agenda, dos instrumentos políticos para atingi-la e do timing eleitoral. Todos sabem que a lista de problemas brasileiros é enorme. Em sua maioria, dependem de ações legislativas, tais como reformas nos campos tributário, político e educacional, aprovação do marco regulatório para o saneamento básico e da Lei das Agências Reguladoras, estabelecimento dos consórcios públicos, criação de novos códigos processuais, discussão sobre qual deve ser a natureza institucional do Banco Central, entre os principais temas. A possibilidade de efetuar mudanças em todas estas áreas é limitada, felizmente, pela dinâmica do processo democrático, que exige debate plural e maduro para a tomada de decisões. A mensagem presidencial enviada ao Congresso Nacional serviria para dar foco legislativo ao Governo. Só que a sua lista de temas, além de ser ainda muito extensa, não estabeleceu uma ordem de prioridades entre as questões, tanto no que se refere ao tempo de maturação de cada projeto como no esforço - maior ou menor - que será despendido com eles. Obviamente isto não pode estar literalmente expresso no texto do Executivo, mas o Governo precisa definir uma seleção estratégica em sua ação política. Exemplo: na Educação há dois grandes projetos em questão, a criação do Fundeb (Fundo Nacional para o Desenvolvimento do Ensino Básico) e a chamada reforma universitária. Como a segunda é mais polêmica e vai envolver muito debate, o melhor é priorizar, do ponto de vista legislativo, as articulações em torno do primeiro, assunto com maior consenso e apoios em torno dele. Além disso, o Fundeb pode afetar positivamente um maior número de pessoas e, assim, angariar mais aliados sociais e políticos ao presidente Lula.

Agenda Legislativa deve ter prioridades

O mesmo raciocínio vale para a área econômica. Quais projetos podem produzir melhores resultados dentro de suas metas básicas (estabilidade monetária, aumento do investimento, maior crescimento com menos impostos etc.)? Posso estar enganado, mas não está clara a ordem de prioridades da equipe econômica no Congresso. Pode-se dizer que, diante dos enormes desafios, é necessário atuar em várias frentes. Esta "boa intenção" choca-se, contudo, com os princípios do planejamento estratégico (e do realismo político), pois se houver definição do que é mais essencial e calibragem dos esforços que devem ser empreendidos em cada questão, o Governo Lula será mais eficiente na administração de sua agenda econômica. A falta de um foco mais claro para a agenda legislativa se deve a uma dupla indefinição política do Governo Lula. De um lado, há divergências de fundo dentro da coalizão governista, principalmente na base petista, acerca das políticas adequadas. A autonomia do Banco Central, por exemplo, é considerada essencial pela equipe econômica e, como noticiou a imprensa, pela Casa Civil, porém, sofre resistências enormes dos parlamentares do PT. O grupo mais à esquerda diz hoje que teve de engolir projetos com os quais não concordava e, por isso, quer definir limites à agenda e colocar novos pontos em pauta. Uma coalizão tão heterogênea como a atual precisa de contrapesos, obviamente; só que o resultado no momento é a falta de foco, o que favorece o trabalho da oposição e torna "mais cara" a negociação com o núcleo fisiológico do Congresso. À indefinição dos conteúdos dos projetos prioritários se soma a desarticulação política que tomou conta do Governo Lula. Um rearranjo passa pela escolha de uma coordenação congressual com bom trânsito tanto no PT e como nos partidos aliados, para que não se repita o fenômeno Greenhalgh. Vincula-se, ainda, à redução de conflitos entre petistas, sobretudo entre aqueles que concorrem para ser os candidatos em 2006. Mais importante, depende da reforma ministerial, a partir da qual se definirá a responsabilidade e os bônus de cada um dentro da coalizão governista. Estabelecer um foco preciso para 2005, tanto em termos de agenda como de articulação política, deve ter como premissa não perder o timing eleitoral. Do ponto de vista do governo, este é um ano para não discutir com a oposição - o contrário vale para ela. Em vez de confronto, a postura governista deve ser de inclusão, pensando já na montagem de coalizões estaduais, o grande calcanhar de Aquiles do projeto de reeleição. O discurso do presidente Lula no Espírito Santo, além de representar um comportamento não condizente com o republicanismo, revela que o PT está com o foco no ano errado. Definitivamente, 2005 não é período para bate-boca eleitoral.