Título: Tabaré Vázquez assume Uruguai amanhã
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Internacional, p. A13

Tabaré Vázquez, 65, que assume o poder amanhã no Uruguai como o primeiro presidente de esquerda da história do país, terá de conciliar a pressão para que adote medidas de caráter social com a necessidade de manter uma gestão econômica austera para poder administrar um pesado endividamento. A coalizão liderada pelo médico oncologista venceu as eleições de outubro e conseguiu maioria no Senado e na Câmara. Apesar do risco potencial de divisão dentro do bloco, já que ele abarca de trotskistas e ex-guerrilheiros até figuras de centro, as indicações dadas até agora são de que Vázquez manterá a política econômica atual, gerando um alto superávit primário para honrar os vencimentos que enfrentará nos próximos anos. Segundo estimativa feita pelo banco central, a dívida pública do país equivale a mais de 90% do PIB. Ao mesmo tempo, não se descarta até mesmo que a maioria parlamentar permita que o novo presidente faça reformas que historicamente vêm tendo a esquerda como maior opositora. "Não serão feitas exatamente privatizações, porque há uma forte oposição dos uruguaios pelo menos à palavra, mas não necessariamente ao processo", prevê a economista Mercedes Rial, da consultoria KPMG. Ela espera que na agenda do novo governo esteja a abertura de empresas estatais a capitais privados, coisa que até agora vinha sendo rejeitada pela esquerda. No ano passado, o presidente Jorge Batlle foi derrotado no plebiscito em que propunha a abertura da estatal de combustíveis Ancap a capitais privados. A esquerda fez campanha contra a abertura, e a derrota de Batlle foi interpretada como um sinal de que Vázquez ganharia a eleição presidencial que estava por vir. Agora, como presidente, Vázquez terá de enfrentar o problema e conseguir alguma fórmula que possa ser aceita pelos uruguaios porque, segundo Rial, atualmente "ninguém discute a necessidade de haver algum tipo de associação privada com algumas empresas públicas, como no caso dos combustíveis". A visão de que a fatia estatal da economia uruguaia tem de ser aberta ao capital privado baseia-se na necessidade de gerar investimentos para que o país possa continuar crescendo a taxas elevadas. Além de combustíveis, o Estado é dono ou tem participação importante nos setores de telefonia fixa e celular, distribuição e tratamento de água, eletricidade e até na produção e na comercialização de bebidas alcoólicas. O Uruguai encerrou o ano passado com crescimento de 12%; para este ano espera-se uma taxa entre 5% e 6%, segundo estimativas do setor privado. O fator de maior impulso foi o aumento das exportações de commodities e manufaturas de origem agropecuária, com destaque para soja e carne. O ritmo deve ser mais moderado neste ano, com ênfase no consumo e menor contribuição das exportações, devido à queda do preço internacional das commodities. Com um contexto internacional menos favorável que no ano passado, o país terá de atrair investimentos externos para manter o crescimento em taxas elevadas. Outro tema que deverá estar na agenda do novo governo, segundo Rial, é uma reforma tributária, já que a legislação atual não prevê o pagamento de Imposto de Renda pelas pessoas físicas. Em termos regionais, a chegada de Vázquez ao poder pode aproximar o país do Mercosul, embora não signifique um alinhamento automático em relação às posturas defendidas pelo Brasil. Uma fonte do governo brasileiro ouvida pelo Valor disse que os sinais dados até agora por Vázquez mostram que sua atuação pode ser similar à do presidente argentino, Néstor Kirchner, que, apesar da sintonia política com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem adotando medidas unilaterais de restrição à entrada de produtos brasileiros no seu país. O sinal mais claro dado até agora por Vázquez nesse sentido é a manutenção da candidatura do embaixador uruguaio Carlos Pérez del Castillo à direção-geral da OMC, em oposição ao brasileiro Luis Felipe Seixas Corrêa. A postulação de Pérez del Castillo foi decidida pelo governo conservador de Batlle, e a intenção de mantê-la foi confirmada pelo futuro chanceler, o socialista Reinaldo Gargano. Espera-se que o Uruguai exija do Brasil benefícios econômicos em troca do reconhecimento de sua posição de liderança no Mercosul.