Título: OMC vai ao Quênia não decidir nada
Autor: Assis Moreira De Genebra
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Internacional, p. A13

A miniconferência informal de 30 ministros de Comércio, na quinta-feira e na sexta, no Quênia (leste da África), prevê para a negociação agrícola o mesmo tempo destinado para as pausas de cafezinho: uma hora. Cada ministro terá assim no máximo dois minutos para abordar o tema central da Rodada Doha, na Organização Mundial de Comércio (OMC), a menos que outros fiquem calados. Só isso já dá uma idéia dos limites para alcançar o objetivo do encontro: diminuir as opções nas negociações agrícola, industrial, de serviços e de regras, afim de conduzir a consensos até o próximo mês de julho. O dia e meio de discussões na cidade portuária de Mombaça será precedido de um dia de encontro só de ministros, sem os assessores, em Massai, uma reserva para safáris a 400 quilômetros da capital, Nairóbi. Mas, como a programação parece ser mais social, num ambiente cercado de animais, vários ministros já disseram que não vão aparecer. É o caso do chefe da delegação brasileira, o chanceler Celso Amorim, que prefere ir direto a Mombaça. No Quênia, país reputado como um dos campeões mundiais da corrupção, mais tempo de discussão só mesmo no cafezinho, nas refeições ou antes de dormir. E, ainda assim, já esvaziada por causa da ausência do principal negociador comercial dos EUA, ainda não anunciado pela Casa Branca para substituir Robert Zoellick, que foi nomeado subsecretário de Estado. O representante americano será Peter Allgeier, com suas limitações burocráticas e políticas. O que não falta é problema para examinar. A negociação agrícola está ameaçada de sofrer sérios atrasos por causa do impasse em como converter tarifas específicas (dólar por tonelada) por equivalentes "ad valorem" (percentagem do preço). Sem isso, não dá para negociar uma fórmula para cortar as tarifas. Na sexta-feira, fracassou mais uma tentativa de compromisso, que trouxe a Genebra delegados de todas as partes do mundo. De 52 mil tarifas aplicadas pelos países membros da OMC, 14 mil são alíquotas especificas. Dessas, 6 mil são aplicadas pela União Européia (UE) para proteção maior de seu mercado. As tarifas não "ad valorem" são um verdadeiro quebra-cabeça. Exemplo da alíquota especifica dos EUA sobre o açúcar: "3.6606 centavos por quilo, menos 0.020668 centavos/kg. Para cada grau abaixo de 100 graus (e frações de um grau em proporção), mas não menos de 3,143854 centavos/kg". É com esse tipo de fórmula que se pode impor enormes barreiras para um produto considerado sensível por concorrer com a indústria local. A UE e o G-10 (Japão, Suíça, Coréia e Noruega e outros protecionistas) defendem como base para a conversão a tarifa aplicada nas cotas. Na prática, esses países cortariam menos alíquota agrícola. Por sua vez, exportadores agrícolas, encabeçados pelo Brasil, EUA, Austrália, preferem uma abordagem mais geral, levando em conta um cálculo "horizontal", sobre todas as tarifas. Os industrializados advertem que a negociação agrícola só avançará em paralelo com a negociação de serviços. Essa negociação está em "crise" na avaliação dos industrializados. Um dos poucos setores onde há alguma melhora de promessa de abertura aos estrangeiros é o de serviços financeiros. A maioria das ofertas não abre nada mais em construção, distribuição, meio ambiente, transporte marítimo etc. As dificuldades permanecem em setores como educação, saúde, comunicação (serviço postal) etc. O presidente da negociação de serviços, embaixador Alejandro Jará (Chile), reclama que as ofertas de abertura são pobres e não parece otimista sobre novas ofertas previstas para maio. Para o Brasil, que é defensivo em serviços, essa negociação "está normal". Na negociação de produtos industriais e bens de consumo, os EUA indicaram flexibilidade. Sugerem dois coeficientes na fórmula para cortar as tarifas: uma para países industrializados, outra para os emergentes. Os mais pobres ficam fora, não precisando reduzir suas alíquotas. Em contrapartida, os americanos querem que países como Brasil, Índia, China e outros em desenvolvimento abram mão da flexibilidade de cortar menos em setores vulneráveis. No caso do Brasil, trata-se de químicos e eletroeletrônicos, por exemplo. Já o México quer vender no Quênia, se der tempo, a idéia de quatro opções de corte tarifário, que reconciliaria ambição cobrada pelos ricos e flexibilidade desejada pelas indústrias das nações em desenvolvimento. O resultado de Quênia parece já traçado: mais declarações prometendo impulso na negociação na OMC. E, como esse pessoal parece que gosta de reuniões, deve anunciar nova miniministerial em julho, na China.