Título: Uma nova estratégia do governo para a Petrobras
Autor: Adriano Pires e Leonardo Campos
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Opinião, p. A14

Depois de dois anos do governo Lula, percebe-se que existe uma estratégia em relação à Petrobras bem diferente daquela adotada no governo FHC. Enquanto o governo anterior iniciou um processo de profissionalização da gestão e de internacionalização da empresa, concomitantemente com a abertura do mercado de petróleo e gás natural, na gestão Lula houve um recuo. Agora, a idéia é reforçar o monopólio de fato e transformar a Petrobras num braço político do governo. Essa nova postura, não declarada, fica evidente quando observamos o aumento da participação da Petrobras através de uma série de aquisições no mercado de energia, a política de preços adotada e o esvaziamento da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A nova onda de aquisições começou pelo segmento de distribuição de combustíveis, quando a estatal comprou, em junho de 2004, a Agip do Brasil, do grupo italiano Eni, por cerca de US$ 450 milhões. A transação incluiu três distribuidoras de gás de cozinha e três de combustíveis líquidos. A principal motivação da aquisição foi o desejo de ampliar a participação na distribuição de gás de cozinha, onde a estatal só detinha 0,11% do mercado e agora possui cerca de 22%. A BR Distribuidora assumiu também 1.600 postos de revenda com a bandeira Agip e ganhou cerca de 4 pontos percentuais de participação no mercado de distribuição, passando de 31% para 35%. No segmento de gás e energia, a Petrobras partiu para a compra de uma série de usinas termelétricas. Segundo a atual direção da empresa, as aquisições são vistas como a única forma de terminar com contratos, assinados durante o governo FHC, que impõem custos e prejuízos elevados à Petrobras. A primeira operação ocorreu em agosto de 2004, com a compra da Eletrobolt, propriedade da antiga Enron. A transação envolverá desembolso de US$ 189 milhões ao longo de sete anos. Em setembro, a empresa divulgou a elevação da participação na sociedade com a empresa Neoenergia - de 30% para 80% - na Termoaçu. Em dezembro, a empresa adquiriu da EDP Brasil, por R$ 96 milhões, 80% das ações da termelétrica Fafen Energia. A estatal está ainda envolvida em uma disputa judicial, conduzida pela empresa de forma confusa, que poderá resultar no controle das usinas Macaé Merchant, propriedade da El Paso e da TermoCeará, controlada pela empresa MPX. Além disso, busca, em sociedade com a Copel, a aquisição da participação da El Paso na termelétrica de Araucária, e está concluindo a compra de 100% da usina TermoRio, da empresa NRG. Na área de gás natural, a Petrobras elevou, em outubro de 2004, a sua participação na CEG-RIO. A subsidiária Gaspetro adquiriu da espanhola Gas Natural cerca de 10% do total de ações ordinárias e 14% das preferenciais por US$ 16,5 milhões. A empresa passou a ter 26% das ações ordinárias e 43% das preferenciais na distribuidora fluminense. Em dezembro, a Petrobras comprou, por R$ 144 milhões, 40% da Gasmig (distribuidora de gás canalizado de Minas Gerais).

Ao priorizar demandas do governo, em detrimento de decisões empresariais, a estatal compromete os investimentos futuros

Estas operações vêm transformando a Petrobras numa empresa de energia, integrando negócios de eletricidade, petróleo e gás natural. Esse movimento é semelhante ao adotado por outras grandes empresas do setor petroleiro, que buscam obter ganhos de escopo e diversificar seu portfólio de produtos. No entanto, o que preocupa é verificar que a expansão das atividades da Petrobras não está sendo acompanhada pelo aperfeiçoamento das instituições responsáveis pela regulação e defesa da concorrência no Brasil. Ao contrário, observa-se a perda de autonomia da ANP, cada vez mais submetida à tutela do Ministério de Minas e Energia e à espera da aprovação de um projeto de lei, em discussão no Congresso Nacional, que promove o esvaziamento das agências reguladoras. Para piorar esse quadro, nota-se que o governo não separa as suas ações políticas da tomada de decisão dentro das empresas onde o Estado brasileiro é acionista majoritário. Um exemplo dessa prática é a política de preços da Petrobras. Movidos por objetivos eleitoreiros e macroeconômicos, os preços internos do óleo diesel e da gasolina não oscilam com os preços internacionais, permanecendo longos períodos ora abaixo ora acima do patamar externo. Em 2004, foi a vez da empresa segurar os preços internos da gasolina e do óleo diesel para não comprometer os resultados eleitorais do partido do governo. No caso do gás de cozinha, cujo preço na refinaria não sofre reajuste desde do início do governo Lula, a Petrobras tornou-se instrumento de política social, subsidiando os consumidores (pobres ou não) dos vasilhames com 13 quilos. O aumento da participação da Petrobras nos diferentes mercados de energia, aliado à fragilidade do marco regulatório, cria um ambiente propício para o governo elevar o seu poder de intervenção na economia e dar suporte aos seus objetivos políticos. Esse novo caminho, entretanto, não virá sem custos para a Petrobras e o Brasil. Ao priorizar as demandas governamentais do momento, em detrimento das decisões empresariais, a atual direção da Petrobras compromete os investimentos futuros. Afasta-se, assim, do modelo de empresa estatal competitiva e internacionalizada, aos moldes da Statoil norueguesa, e caminha para um outro, comprometido com medidas populistas, transformando a empresa num braço político nos moldes da PDVSA venezuelana ou da mexicana Pemex. Em relação à economia brasileira, essa estratégia reduz as pressões competitivas nos setores de atuação da estatal, aumenta a insegurança das empresas que competem com a Petrobras, diminui o potencial de expansão dos investimentos privados e transforma o modelo de abertura do setor de petróleo numa fantasia legislativa, realizada "para inglês ver", como diz o ditado popular.