Título: Eficácia e eficiência da política econômica
Autor: Daniel Gleizer
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Opinião, p. A15
Mais uma vez vem à tona a noção de que a política monetária não tem eficácia e que, portanto, a elevação da taxa de juros por parte do Banco Central é um equívoco. Mudaram apenas as razões para tal. Esse foco obsessivo nas ações do BC, sem uma avaliação crítica do entorno no qual ele opera e, em particular, da combinação de políticas em vigor, turva o debate. Melhor seria reconhecer que os objetivos são muitos, os instrumentos limitados e que escolhas precisam ser feitas. As projeções para o desempenho da economia brasileira em 2005 são bastante positivas, ainda que menos pujantes do que o observado no ano passado. A preocupação fica por conta da inflação, que continua muito elevada. Em parte isso se deve aos choques de oferta adversos que sofremos ao longo do ano passado, que elevaram a inflação de 2004 e, via seus efeitos defasados, se encarregaram de contaminar a deste ano. A reação padrão nesses casos envolve alguma acomodação do impacto inicial sobre os preços, para que o custo do ajuste não recaia totalmente sobre o nível de atividade, concentrando esforços no controle de sua propagação. Essa foi a estratégia adotada pelo BC, consagrada no anúncio de que não mais perseguiria os 4,5% que marcam o centro da banda que define a meta para a inflação, e sim concentraria seus esforços em uma aterrissagem em 5,1%, em 2005. Esse ajuste foi acompanhado pela progressiva elevação da taxa de juros, iniciada em setembro passado. Não faltaram críticos argumentando que a política monetária não é eficaz para lidar com pressões inflacionarias oriundas de choques de oferta, e que seu único impacto seria matar uma recuperação incipiente da atividade econômica. A sugestão era deixar rolar; uma vez passado o choque adverso, as pressões nos preços inevitavelmente arrefeceriam. Mas a autoridade monetária sabia que as coisas não são tão simples, e que caso a acomodação inicial dos choques fosse excessiva, corria-se o risco de engendrar uma deterioração das expectativas inflacionarias. Isso teria impacto negativo sobre a trajetória futura da inflação e sobre a intensidade do esforço requerido para revertê-la. Mas os impulsos de propagação acima descritos foram fortemente potencializados pelo comportamento da demanda agregada. Com isso, as expectativas dos agentes privados quanto à trajetória futura dos preços passaram a exibir forte resistência à queda, assim como a própria inflação. As taxas do núcleo da inflação do IPCA, tanto no conceito de médias aparadas quanto na definição por exclusão, têm registrado valores anualizados de cerca de 8%, muito acima da meta ajustada estabelecida para 2005. Diante desse cenário, o BC prossegue com o ajuste da taxa de juros Selic e vem endurecendo seu discurso. Essa política tem sido alvo de criticas ferozes. A cantilena de que a política monetária é ineficaz para lidar com choques de oferta foi substituída por novas razões para sua falta de efetividade. A primeira enfatiza o fato de que em uma economia financeiramente integrada com o resto do mundo, com regime de taxas de câmbio flutuantes, a elevação da taxa de juros doméstica com o objetivo de controlar a inflação atrai capitais estrangeiros. Estes, ao buscarem adquirir ativos domésticos, deprimem as taxas de juros de mais longas e apreciam a taxa de câmbio. Assim, o impacto da política monetária seria mitigado, refletindo-se basicamente na redução do incentivo à produção de bens exportáveis e substitutos de importações, beneficiando o consumo de produtos importados, com impactos perversos no médio prazo.
O melhor seria despender esforços no corte de gastos, inclusive transferências, particularmente as de natureza permanente
Mas a mitigação do impacto da política de juros não significa que ele seja inexistente. Ademais, o governo vem aproveitando a oportunidade aberta pela abundância de recursos externos para acumular reservas e melhorar o perfil da dívida pública. É aqui que o dilema se coloca com clareza: a compra de reservas aumenta a quantidade de moeda na economia e pressiona os juros para baixo. A alternativa é emitir dívida para enxugar essa expansão, que deveria ser compensada por redução do gasto público. De fato, se a contribuição do gasto público para a demanda agregada fosse menor na partida, o problema seria menor. Não há como avaliar a adequação da política monetária em vigor, sem avaliar a conformidade da política fiscal. O outro argumento é que a eficácia da política monetária vem sendo reduzida pelo impacto, sobre a demanda agregada, da queda do spread bancário e da introdução de novos mecanismos de crédito ao setor privado como, por exemplo, a consignação. Essa seria uma espécie de maldição do sucesso. Afinal, o aumento da funcionalidade do sistema de credito no Brasil vem sendo um objetivo de política econômica há vários anos e representa uma vitória do governo. Mas, se para um dado nível de juros a demanda privada tem se mostrado excessiva, ou reduzimos outros gastos, ou a contemos via política monetária. Escolhas precisam ser feitas. Se queremos fomentar o acesso da população ao crédito e ao consumo, se não toleramos mais inflação (e aqui vale lembrar que o ranking semanal da "The Economist" nos coloca na incômoda posição de quinta inflação mais elevada dentre os 40 países relacionados), nem suportamos juros mais altos, precisamos cortar o gasto publico. A política monetária não carece de eficácia, entendida como o poder de produzir um determinado efeito. É a política econômica como um todo que sofre de um problema de eficiência, definida como a virtude de conseguir o melhor resultado com o menor custo possível. Sua correção exige um maior esforço fiscal. Não basta que a política fiscal seja neutra, especialmente quando essa neutralidade é obtida no contexto de um crescimento excepcional da receita. Em termos de eficácia e eficiência, melhor seria despender energia e esforços no corte de gastos, inclusive transferências, particularmente aqueles de natureza permanente.