Título: Falta de licença ambiental impede obra
Autor: Paulo Emílio, Maria Lúcia Delgado, Patrick Cruz e
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Especial, p. A16
O início das obras para a transposição do rio São Francisco vai atrasar novamente. Só por um milagre os dois grandes canais que abastecerão o semi-árido nordestino começarão a ser construídos em abril, conforme previa o governo. Além da controvérsia política e da possibilidade de uma batalha judicial, um dos principais entraves é o ambiental. O Ministério da Integração Nacional, empreendedor do projeto, pretendia conseguir até o fim de fevereiro o licenciamento prévio concedido pelo Ibama. Segundo fontes ligadas ao Ministério do Meio Ambiente, entretanto, são praticamente nulas as chances de concessão da licença até o fim de março. Também não há garantias de que ela saia em abril. Oficialmente, o Ibama não confirma nem desmente. Diz apenas que está agindo com independência e tranqüilidade na análise do projeto, embora seja a principal obra de infra-estrutura do governo e um desejo pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "É um processo muito complicado e não temos como assumir qualquer compromisso em relação a prazos", afirma o diretor-substituto de qualidade e licenciamento ambiental do Ibama, Luiz Felippe Kunz. Pelo menos dois problemas, de ordens diferentes, impedem que a licença seja dada nas próximas semanas. Um é de caráter técnico e outro, de caráter legal. O Ibama trabalha com a possibilidade de exigir complementações ao Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima) apresentado pelo governo, o que levaria as consultorias contratadas pelo Ministério da Integração Nacional a reformular aspectos do plano original, explica Kunz. Ainda que não venha a pedir esses complementos no estudo, o Ibama já decidiu que fará novas vistorias nos dois canais previstos pelo projeto de transposição do São Francisco. A necessidade de mais vistorias, complementares à primeira série de inspeções feitas pelos técnicos da autarquia, surgiu de aspectos levantados durante as audiências públicas realizadas para discutir os impactos ambientais da obra. De acordo com Kunz, são quatro dúvidas que precisam de esclarecimentos. Elas têm um cunho mais social do que propriamente ambiental. Referem-se à forma como será feita a desapropriação de áreas na faixa de domínio do São Francisco (2,5 quilômetros de cada lado do rio); ao custo final da água captada no São Francisco, estimada em mais de cinco vezes o preço atual no Nordeste; à abrangência da população beneficiada com a transposição; e ao impacto sobre tribos indígenas. As obras trazem preocupação a antropólogos e indigenistas, que apontam a presença de comunidades tribais em áreas próximas ao traçado do projeto, em Pernambuco. Duas dessas comunidades já têm território demarcado e, juntas, abrigam cerca de seis mil índios, das tribos Kambiwá e Truká. Na região, há remanescentes ainda de antigos quilombos. Na prática, todas essas análises são impossíveis de serem concluídas em março e não se sabe da viabilidade de encerrá-las em abril. Há ainda um dilema jurídico: validar ou não as audiências públicas que foram formalmente encerradas, mas em que na prática não houve debate algum por causa dos protestos e manifestações de grupos opositores ao projeto de transposição. Essas situações ocorreram em Belo Horizonte, Salvador e Aracaju. De acordo com uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), audiências públicas devem ter seu fim decretado pelo mediador para que possam ser consideradas válidas. De fato, elas foram encerradas oficialmente. Mas sem que tivesse havido discussão. O departamento jurídico do Ibama ainda está longe de uma conclusão porque quer cercar-se de garantias de que depois não haverá brechas para medidas judiciais invalidando o licenciamento. "Esperamos que o Ibama não valide as audiências", afirma, categoricamente, o secretário de Meio Ambiente de Minas e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, José Carlos Carvalho. Para ele, se isso ocorrer, a tensão sobre o futuro do rio aumentará. "Só restará o caminho da judicialização ou do embate político. Podem acabar acontecendo os dois", alerta. Os promotores e advogados que atacam o projeto de transposição estão prontos. "Há possibilidade de recursos administrativos e judiciais. Vamos explorar todas as possibilidades", diz o promotor Eduardo Matos, do Ministério Público de Sergipe. O Ibama se defende e alega que tentou discutir com a população o projeto de transposição, mas ambientalistas e organizações não-governamentais provocaram tumultos para impedir o debate.