Título: Crise da GM, Ford e Chrysler deixa rastro de desal
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Fonte: Valor Econômico, 08/12/2008, Empresas, p. B1

A fachada do Local 22, uma das sedes regionais espalhadas em Detroit pelos United Auto Workers (UAW), o sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística americana, é uma exibição permanente de autoconfiança. "Nós construímos esta cidade", diz o lema da organização. "Sindicatos fortes fazem a América mais forte", acrescenta a inscrição no toldo.

Dentro do prédio, faz tempo que o orgulho deu lugar para o desalento. A fábrica da General Motors que fica na vizinhança e emprega a maioria dos 1,5 mil operários representados pelo Local 22 cortou a produção pela metade neste ano e mandou para casa 767 trabalhadores. As vendas dos dois carros produzidos ali não param de cair e o futuro da fábrica é muito incerto.

"A história desta indústria foi sempre cheia de altos e baixos, mas nas outras vezes a gente tinha certeza de que ia dar a volta por cima em algum momento", disse o vice-presidente do Local 22, Thomas Summers, numa conversa em seu escritório na semana passada. "Agora temos um acúmulo de problemas como nunca experimentamos antes."

O destino da General Motors e das outras duas grandes montadoras de automóveis dos Estados Unidos, a Ford e a Chrysler, poderá ser selado nos próximos dias, quando o Congresso americano deve colocar em votação um pacote para ajudá-las a sair do buraco. As três empresas pedem US$ 34 bilhões em empréstimos do governo para continuar operando em meio à crise que paralisou os mercados de crédito.

Na semana passada, os executivos que dirigem as três empresas foram recebidos com hostilidade em Washington, onde passaram três dias seguidos vendendo seus planos aos congressistas. Muitos políticos duvidam da viabilidade do modelo de negócios das montadoras e relutam em estender a mão à indústria, apesar dos efeitos devastadores que sua derrocada poderia ter na economia do país.

Quem acompanha o dia-a-dia das empresas também tem dúvidas. "Não sei se a GM aguenta atravessar mais um ano com o mercado desse jeito, mesmo se conseguir ajuda agora", diz Summers, que começou a trabalhar para a companhia há 34 anos e virou dirigente sindical há uma década. "As pessoas estão nervosas e ninguém compra carro novo quando está assim."

A fábrica da GM que ele representa produz atualmente 56 carros por hora e deve reduzir o ritmo para 35 por hora em breve. Dois modelos saem das suas linhas de montagem. As vendas do mais popular, um sedã chamado Buick Lucerne, caíram 49% em novembro, em comparação com um ano atrás. O outro modelo, o Cadillac DTS, sofreu uma queda de 66%. As vendas da indústria americana como um todo caíram 37% neste ano.

Os planos atuais da GM prevêem que a fábrica irá produzir no futuro o Chevrolet Volt, um carro elétrico. O automóvel foi projetado para andar 64 quilômetros sem que o motorista precise parar para recarregar a bateria ou encher o tanque de combustível e é uma das apostas da GM para garantir sua sobrevivência. Mas o Volt só deverá começar a ser produzido em 2010 e ninguém sabe se a empresa continuará em pé até lá.

A crise forçou o UAW a fazer concessões que teriam sido consideradas ultrajantes em outra época. Na semana passada, o sindicato aceitou abrir mão de dezenas de bilhões de dólares que as três montadoras americanas devem a um fundo criado para administrar o pagamento de planos de saúde para milhões de aposentados que hoje estão na folha das empresas. Para ajudá-las na crise, o UAW aceitou deixar esses pagamentos para mais tarde.

O sindicato também abriu mão de um dispositivo do acordo coletivo da categoria que obrigava as empresas a continuar pagando por algum tempo boa parte dos salários dos operários atingidos por demissões em massa. "Era uma proteção importante que a gente tinha", afirma Summers. "Mas não dava para os executivos irem até Washington apanhar e a gente ficar assistindo sem fazer nada", acrescenta.

Cada trabalhador da GM custa em média atualmente US$ 69 por hora, numa conta que inclui salários equivalentes a quase US$ 30 por hora e benefícios pagos ao pessoal da ativa e aos aposentados. Concorrentes mais competitivos como a japonesa Toyota têm custos próximos de US$ 40 por hora, incluindo os benefícios, segundo o economista David Cole, presidente do Centro de Pesquisa Automotiva.

Há um sentimento generalizado em Detroit de que as três grandes montadoras têm sido injustiçadas em Washington, onde os esforços que elas têm feito para se reestruturar raramente são reconhecidos. "Não vi nenhum banqueiro ser tratado com o mesmo rigor no Congresso e foram eles que nos atiraram nessa confusão", diz Summers.

A crise financeira e a recessão econômica atingiram a indústria automobilística de forma brutal, contraindo a oferta de crédito e afugentando os consumidores. Mas muitos dos problemas que as montadoras americanas enfrentam são antigos, como os altos custos trabalhistas. E faz anos que seus modelos perdem mercado para os feitos por seus concorrentes japoneses.

As três grandes montadoras americanas empregam hoje cerca de 250 mil pessoas. Nos últimos cinco anos, elas eliminaram mais de 150 mil postos de trabalho para reduzir seus custos. Na semana passada, o UAW dirigiu ao Congresso um apelo dramático com comerciais na televisão e páginas inteiras nos jornais. "Nós não somos banqueiros", declaram os anúncios. "Não nos decepcionem."