Título: Crise agrava risco de novo avanço de agrotóxicos ilegais
Autor: Lopes , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2008, Agronegócios, p. B9

Máfia, transporte marítimo ilegal, "armários" mal encarados, aviões monomotores, pistas de pouso clandestinas, placas frias, fundos falsos, armas, corrupção, usuários que fingem desconhecer a gravidade de seus atos. Comuns no tráfico de drogas, todos esses elementos também sustentam o comércio ilegal de agrotóxicos, que no país pode voltar a crescer com a crise de renda que golpeia os agricultores brasileiros, sobretudo os da região Centro-Oeste. Marisa Cauduro / Valor

Marini, do Sindag, o "xerife dos agrotóxicos": "É crime organizado que põe em risco saúde pública e meio ambiente"

Para tentar evitar que isso aconteça nesta safra 2008/09, que está em fase de plantio, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag) reforçou sua campanha contra a prática, registrada pela primeira vez no mercado nacional em 1998. Movida a publicidade, informativos, palestras de campo, disque-denúncia e parcerias com órgãos como Ministério da Agricultura, Ibama e Polícia Federal, a força-tarefa liderada pelo Sindag ganhou corpo em 2001. De lá para cá rendeu frutos, é verdade, mas a praga ainda está longe de ser erradicada.

Segundo dados apresentados ao Valor por Fernando Henrique Marini, gerente do Sindag responsável pelo combate aos agrotóxicos ilegais, de 2001 a 2008 foram apreendidas no país 336 toneladas desses produtos (256,3 toneladas já foram incineradas) e 435 suspeitos foram indiciados, sendo que 14 pessoas foram presas. Conforme Marini, o ponto alto do tráfico aconteceu na safra 2005/06. Na temporada, que rendeu vendas de US$ 4 bilhões em defensivos no mercado formal, foram contrabandeados ao Brasil via Paraguai US$ 300 milhões em agrotóxicos, e outros US$ 60 milhões entraram pela fronteira com o Uruguai.

As ações tornaram-se mais freqüentes e rígidas - a primeira das 14 condenações aconteceu em 2006 -, e no último ciclo agrícola, o 2007/08 (encerrado no último mês de junho), o Sindag estima que o contrabando tenham sido US$ 150 milhões menor que no auge. Porte de xerife, o engenheiro agrônomo Marini não quer que isso aconteça. "Os proprietários e os agrônomos das fazendas não podem aceitar isso. É crime organizado que põe em risco a saúde pública e o meio ambiente", afirma ele.

A primeira grande operação com participação da Polícia Federal, a Caaté (mato verde em tupi guarani), aconteceu em agosto de 2005 e prendeu 31 pessoas nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Goiás. Em 2006, foram três operações especiais, número que cresceu para nove em 2007 e voltou a cair para três neste ano. Particularmente nas ações de 2007 foi constatada grande participação de agricultores. Segundo Marini, dezenas deles, principalmente de Mato Grosso, foram parar atrás das grades.

Com documentos e fotografias que comprovam o que diz nas mãos, Marini relata diversos casos que mostram a ligação entre tráfico de drogas e agrotóxicos ilegais. Como o do piloto de avião de 71 anos que, um dia depois de sair da cadeia pelo transporte de entorpecentes, foi preso novamente por trazer defensivos para o Brasil. Nos dois casos o roteiro era parecido e a aeronave, a mesma. O piloto está sendo investigado e ainda não foi condenado pelo novo crime.

Berço de grandes fabricantes de defensivos genéricos, a China, segundo Marini, é a origem de mais de 90% dos agrotóxicos que entram ilegalmente no Brasil. Normalmente os produtos são enviados aos mercados uruguaio e paraguaio para depois chegarem ao brasileiro. Quando vêm por terra, esses produtos são traficados com os mais diferentes disfarces. Já houve apreensões em sacos de fertilizantes, nos mais diferentes esconderijos de veículos e até em caixões. Chama a atenção a descoberta de um fundo falso em um caminhão de transporte de óleo vegetal para consumo humano, com risco estratosférico de contaminação.

Uma vez que o produtor compra um defensivo contrabandeado - evidentemente sem registros e autorizações dos órgãos competentes -, eclode outro problema, que depois ajuda a manter o tráfico. Atualmente as embalagens vazias de defensivos têm de ser obrigatoriamente enviadas para destinação correta para evitar problemas, e no caso dos produtos ilegais isso não pode ser feito. Alimenta-se, assim, um mercado paralelo de embalagens, que voltam ao mercado com produtos frios e roupagens oficiais de produtos conhecidos.