Título: Além da Demanda
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, CAPTAÇÕES EXTERNAS, p. Fs

Bancos ampliam oferta de crédito externo e mercado internacional se mantém aberto, mas empresas evitam tomar dívida em dólar

Em um ano de disputa acirrada entre os bancos internacionais e de sobra de dólares para emprestar ao Brasil, o Citigroup saiu na frente e foi o primeiro colocado no "Ranking Valor de Captações Externas" de 2004. Liderou US$ 4,11 bilhões em operações de mercado, que incluem empréstimos sindicalizados (com a participação de mais de um banco) e todos os tipos de títulos de renda fixa. O total é 68% superior aos US$ 2,45 bilhões liderados pelo segundo colocado no ranking de 2004, o Deutsche Bank. O ABN AMRO conseguiu a terceira colocação, logo atrás do Deutsche, com US$ 2,342 bilhões em operações realizadas. Essa é a segunda vez que o maior banco do mundo se coloca como o principal líder em operações externas de mercado para empresas, bancos e governo brasileiros pelos critérios do Valor. Ganhou o primeiro lugar no ranking também em 2001, ao liderar US$ 5,271 bilhões em captações. No entanto, o banco manteve sempre posição de destaque: foi o segundo colocado nos rankings de 2002 e de 2003. No ano passado, com o número crescente de bancos internacionais dispostos a emprestar para grandes empresas brasileiras e liderar lançamento de bônus, o Citigroup teve de vencer concorrência crescente. A oferta de crédito externo aumentou, o mercado de capitais permaneceu aberto para o país durante a maior parte do tempo, mas a demanda de empresas e bancos por dívida em dólar caiu. A alta no preço das commodities ajudou ainda mais as companhias exportadoras a ficarem com excesso de caixa. Muitas empresas de primeira linha, como a Vale do Rio Doce, decidiram quitar antecipadamente sua dívida externa, aproveitando a janela para deixar a casa em ordem. Outras empresas preferiram trocar dívida externa por interna, por causa do custo elevado do "hedge" -proteção financeira- contra oscilações no câmbio. O cupom cambial (juros dos investimentos indexados ao dólar no mercado interno) ficou apertado, desestimulando também os bancos a buscar recursos no exterior para aplicar no Brasil, nas chamadas operações de arbitragem financeira. O resultado foi uma queda de 29% no total de recursos captados no exterior, de US$ 26,847 bilhões em 2003 para US$ 19,085 bilhões no ano passado. O governo federal não foi contribuição determinante na retração, obtendo US$ 5,721 bilhões em operações no exterior em 2004, apenas 2,65% a menos do que os US$ 5,877 bilhões em 2003. O excesso de crédito bancário externo foi tanto que os bancos, no desespero para fazer ativos, não deixaram espaço para investidores institucionais. Se uma empresa de primeira linha vinha em busca de recursos, os bancos já faziam grandes empréstimos bilaterais para essa empresa, de valores superiores a US$ 100 milhões, ou pegavam um pedaço do ativo e dividiam o resto com outros bancos, em operações de empréstimos sindicalizados. Não é à toa que o volume de empréstimos sindicalizados mais do que dobrou em 2004, passando de US$ 2,849 bilhões em 2003 para US$ 5,951 bilhões. Já no mercado de títulos de renda fixa de empresas e bancos, excluída a República, a queda foi brutal, de 59%, passando de US$ 18,121 bilhões em 2003 para US$ 2,849 bilhões no ano passado. O ABN AMRO foi o que mais liderou empréstimos externos ao país e o Citi o que mais liderou emissão de bônus. Excluída a República, o ABN AMRO saiu na frente no ranking global e a Merrill Lynch, no de bônus.

Volume de empréstimos sindicalizados dobra, mas bônus de empresas e bancos têm queda de 59%

Em se tratando do crédito à exportação, o excesso de liquidez para algumas boas empresas pareceu não ter limites. Os prazos de vencimento chegaram a sete anos com os juros mais baixos da história do país para este prazo, como no empréstimo para a Votorantim Celulose e Papel (VCP). A empresa surpreendeu já em maio de 2004 ao pagar apenas 2% sobre a Libor (taxa interbancária de Londres) em empréstimo de US$ 350 milhões, sob a liderança do ABN AMRO e do Santander. Depois, conseguiu taxas ainda mais atrativas de juros por esse mesmo prazo. Com ampla oferta de recursos externos e aquisições de outras empresas que somaram mais de R$ 4 bilhões em 2004, foi justamente o Grupo Votorantim o primeiro colocado como o maior tomador de dívida no "Ranking Valor de Captações Externas", com US$ 1,749 bilhão. O grupo acabou com a hegemonia da Petrobras, que desde 2001 vinha mantendo liderança. Os exportadores do setor privado foram os grandes tomadores de recursos no exterior, com a Vale do Rio Doce ficando em segundo lugar, com US$ 1,2 bilhão. A Petrobras conseguiu a primeira colocação entre os maiores emissores de bônus, lançando US$ 700 milhões em papéis e obtendo US$ 937 milhões em operações de mercado. Empresas que não precisam de dinheiro, mas querem melhorar o perfil de sua dívida e seus indicadores financeiros para efeitos de elevação em sua classificação de risco de crédito tomam empréstimos stand-by, ou crédito contingente. A empresa tem a disponibilidade de recursos e só usa se precisar, ocupando menos limites nos bancos e conseguindo linhas mais baratas. A Votorantim tomou US$ 280 milhões e a Vale do Rio Doce, US$ 400 milhões em operações sindicalizadas desse tipo, sem contar empréstimo bilateral stand-by de US$ 100 milhões da Vale. Uma outra grande novidade do mercado externo em 2004 foi a emissão de eurobônus em reais por alguns dos principais bancos brasileiros e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. O Banco Votorantim foi o primeiro emissor brasileiro a se lançar no mercado, mas o Bradesco emitiu o volume maior - US$ 100 milhões - e ganhou o ranking de emissores de títulos em reais. O Grupo Itaú passou à frente do Unibanco pela primeira vez desde que o ranking do Valor foi publicado, assumindo o primeiro lugar entre os bancos nacionais líderes em captações externas. A butique BCP Securities assumiu o primeiro lugar em número de operações realizadas, enquanto o Dresdner e o UBS foram os que mais lideraram operações externas denominadas em outras moedas que não o dólar, aí incluídos euros, ienes e até os brasileiros reais. Para este ano, o mercado deve continuar favorável, na opinião dos especialistas ouvidos pelo Valor. Pode até ser melhor do que em 2004, quando o escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, eclodiu em fevereiro, em meio aos temores da alta nos juros americanos maior do que a esperada. O mercado ficou fechado por meses. As empresas também devem demandar mais recursos neste ano, pois o crescimento da economia começa a estimular investimentos.