Título: Governador prevê conflitos após decisão sobre reserva
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2008, Brasil, p. A2
O Estado de Roraima será palco de conflitos independentemente da decisão a ser tomada amanhã pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol. A advertência foi feita, ontem, pelo governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB). "O clima é tenso e o nível de acirramento é grande. Seja qual for o resultado, teremos conflitos", afirmou o governador.
Anchieta Júnior é favorável à demarcação das terras indígenas em "ilhas", e não de forma contínua como determinou o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005. O governador defendeu essa forma de demarcação alegando que ela preservaria as estradas, as redes de energia elétrica e a maioria das vilas localizadas na região demarcada (1,7 milhão de hectares).
No entanto, o relator do processo no STF, ministro Carlos Ayres Britto, votou a favor da demarcação contínua das terras, reconhecendo que os índios necessitam de uma vasta região para se movimentar, buscar alimento e produzir. Após o voto de Britto, proferido em agosto, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo. Ele se comprometeu a levar amanhã o seu voto e, com isso, será retomado o julgamento da ação proposta pelos senadores de Roraima Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB) contra o decreto do presidente Lula que concedeu a demarcação contínua.
A expectativa é que os ministros do Supremo Tribunal federal busquem uma solução de consenso, até para evitar os conflitos na região. Para o governador, a proposta de consenso é a demarcação em "ilhas". Esta proposta, disse ele, foi defendida pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, quando ministro da Justiça do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 97. "A demarcação contínua vai obrigar várias famílias a se retirarem do local", disse Anchieta Júnior. "Não somos contrários à demarcação para os índios, mas sim à retirada dos não-índios dessas áreas", completou o governador.
Em seguida, advertiu que a culpa por eventuais conflitos, após a decisão do STF, será do governo federal. "A área é federal. O conflito é de responsabilidade da Polícia Federal, do governo federal." Anchieta Júnior disse que a polícia de Roraima poderá ajudar a combater os conflitos "se for solicitada" e que também poderá fornecer ambulâncias para atender aos feridos. "É área de jurisdição federal e o governo estadual ficará de prontidão para ajudar em qualquer situação." Após jogar a culpa no governo do presidente Lula por eventuais conflitos, o governador de Roraima disse que vai cumprir a decisão do STF, mesmo se for pela demarcação contínua. "Vamos cumprir o que o STF determinar."
Os ministros do STF deverão debater uma série de questões antes de definir a melhor forma de demarcação. Eles terão de discutir como ficam as áreas demarcadas em zonas de fronteira, caso da Guiana e da Venezuela. Outro debate será a situação dos produtores de arroz que atuam nas áreas indígenas. Dependendo da decisão, esse grupo de produtores - responsável por 6% do Produto Interno Bruto (PIB) de Roraima - poderá ter de se deslocar para outras áreas. E, por fim, como fica a questão da presença de índios "aculturados" - os grupos já adaptados ao convívio com os não-índios.
Anchieta Júnior usou a questão produtiva para atacar a demarcação contínua. "O mundo passa por uma crise mundial de alimentos e o Brasil fica restringindo áreas ao invés de utilizá-las para a produção", criticou o governador.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que acredita que o Supremo Tribunal Federal vai decidir pela demarcação contínua na reserva. "Nós acreditamos que essa seja a solução, pois é a melhor interpretação da Constituição Federal", disse. Genro afirmou, contudo, que independentemente do resultado do julgamento, ele será respeitado. E disse que, se depender do governo, não haverá nenhum tipo de conflito depois do julgamento de amanhã.(Colaborou Paulo de Tarso Lyra)