Título: Posição dos EUA atrasa reunião ministerial
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2008, Brasil, p. A4

Os Estados Unidos se mostram intransigentes na exigência para Brasil, China e Índia se comprometerem imediatamente com acordos setoriais na área industrial. Isso causou novo impasse sobre uma reunião ministerial para tentar fechar acordo na Rodada Doha até o fim do mês.

O clima de confronto é tão forte entre Washington e os emergentes que o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, abandonou a idéia de convocar os ministros nos próximos dias, por temor de fiasco garantido. Ele preferiu só tomar uma decisão definitiva até o fim de semana, depois de testar de novo alguma aproximação entre os países, na esperança de ainda salvar um acordo agrícola e industrial antes do Natal.

Só que isso parece cada vez menos provável. Segundo negociadores, Washington está "arrebentando" com demandas "maximalistas" para o Brasil, China e Índia participarem obrigatoriamente de acordo para eliminação acelerada de tarifa no setor químico. Também quer que esses países participem obrigatoriamente de outro setor, preferencialmente o de maquinários ou eletroeletrônicos.

A exigência americana é considerada "insustentável". Os três emergentes reclamam que a participação obrigatória em setoriais destrói o equilíbrio no pacote de concessões delineadas em julho. O embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo, disse que Washington quer que o Brasil se comprometa com acordos antes mesmo de saber o resultado das negociações e sugeriu "realismo" aos americanos.

Mas a poderosa National Association of Manufacturers (NAM), reunindo o setor industrial americano, foi direta: simplesmente rejeitou o texto para negociação que a OMC divulgará no sábado e que atenuava a negociação "voluntária" de setoriais. John Engler, presidente da NAM, avisou em comunicado que o documento não servia de base para um acordo e deu a mensagem de que a OMC deveria esperar até que um consenso sobre acordos setoriais fosse alcançado - e foi justamente o que aconteceu mais tarde, na reunião entre Lamy e os países.

"A NAM tem sido consistente na sua visão de que o Brasil, China e Índia devem participar de grandes acordos setoriais para eliminar tarifas em setores como indústria de maquinários, químicos e eletroeletrônicos. Infelizmente, o texto (da OMC) mostra que eles não estão ainda dispostos a isso", diz o comunicado.

Para a indústria americana, uma "robusta participação em setoriais" é a "chave do sucesso" de um acordo industrial na OMC e é o que vai decidir o destino da rodada. Argumenta que os cortes tarifários propostos na fórmula em negociação para bens industriais são muito fracos para gerar novos fluxos de comércio. E somente fortes acordos específicos podem compensar essa situação. Em Genebra, um alto negociador retrucou que "quem tiver dois neurônios" constatará que a demanda dos EUA está fora de proporção com o que vinha sendo negociado até agora.

Também os chineses insistiram que a crise econômica não dá espaço para aceitar liberalização completa de determinados setores industriais que, justamente, são os de maior interesse dos EUA. Para Pequim, o que não deu certo em julho fica mais difícil de ter consenso na situação atual, quando se acumulam falências, desemprego, férias coletivas e todos os recordes de baixa nas economias.

Em Washington, um grupo de parlamentares rejeitou também o texto para a negociação agrícola por considerar que a proposta tem muitas exceções que limitam o acesso das exportações americanas. E avisou que o Senado só aceita um acordo na OMC se houver ganhos significativos para seus produtos. Os parlamentares não falam, porém, no que aceitam conceder para obter o que exigem.

A expectativa era que Lamy anunciasse ontem se convocava ou não uma ministerial, que a princípio podia ocorrer entre os dias 13 e 15 de deste mês. Diante da postura americana, o jeito foi dar tempo para mais uma semana de discussões. O objetivo é testar até que ponto os americanos estão "blefando" na tentativa de arrancar concessões adicionais. Se Washington flexibilizar na demanda, a ministerial poderia ocorrer entre os dias 17 e 19.

No domingo, Lamy passou horas ao telefone com ministros, na tentativa desesperada de salvar a ministerial. Conversou duas vezes com Celso Amorim e recebeu a mensagem de que o Brasil estava pronto a "contribuir" para fechar um acordo. Mas do lado americano, Susan Schwab não mostrou flexibilidade na demanda de setorial, o principal ponto da discórdia. Os chineses também indicaram que não estavam "completamente preparados" para a negociação agora.

A confrontação entre os EUA e os emergentes está tão forte que, se os ministros aparecessem agora em Genebra, desceriam dos aviões se xingando, segundo certos negociadores. Negociadores suspeitam que Washington prepara o terreno para jogar a culpa nos emergentes por mais um fiasco na OMC.

Os EUA estão envolvidos nos três principais problemas atuais: acordos setoriais, salvaguarda especial para países em desenvolvimento frear importações agrícolas e eliminação de subsídios para algodão. Mas o embaixador americano na OMC, Peter Allgeier, disse que Washington apenas quer "uma ministerial bem preparada".

O embaixador uruguaio, Guillermo Vallez, conclamou os parceiros a mostrarem "responsabilidade política". Disse que Lamy precisará deixar claro em algum momento qual país deu sinais negativos, "porque há uma contradição entre pedir acordo para o fim do ano e depois não mostrar flexibilidade". A Argentina não mostrou descontentamento com o impasse. Para o subsecretário de Comércio Internacional, Nestor Stancanelli, o mais importante não é o prazo e sim um acordo "justo e equilibrado".