Título: Nova lei para bancos de dados de proteção ao crédito
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2008, Opinião, p. A8
Embora os bancos de dados de proteção ao crédito atuem no Brasil desde a década de 1950, o país não dispõe de uma legislação adequada para lidar com esses importantes instrumentos de estímulo à ampliação do crédito e das transações comerciais. Com o objetivo de suprir essa lacuna, o governo federal enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que estabelece regras claras para o funcionamento dessas entidades. Entre outros dispositivos, o projeto abre a possibilidade de que os bancos de dados operem com informações positivas, de adimplemento, e não apenas com informações negativas como ocorre hoje, bem como oferece garantias efetivas para salvaguardar a privacidade de indivíduos e empresas.
O desenvolvimento econômico de um país está intimamente relacionado à prevalência de um clima propício à realização de negócios e ao nível de desenvolvimento do mercado de crédito. Quando os custos das transações e dos empréstimos são baixos, não apenas o nível de bem-estar da sociedade é mais elevado, como se eliminam fricções relevantes que reduzem o potencial de crescimento da economia.
A literatura econômica entende que a eficiência dos mercados de crédito depende de duas condições, que se complementam: I) a existência de instrumentos que permitam a redução das assimetrias de informação, e consequentemente a avaliação do risco de inadimplência do potencial tomador de crédito (condição ex-ante) e II) a existência de instituições, arcabouços legais e sistema judiciário que façam valer os contratos (condição ex-post).
As pesquisas relacionando a eficiência dos mercados de crédito à assimetria de informações ganharam espaço na discussão acadêmica a partir da década de 1970. Esses estudos teóricos revelam que, se o mercado não dispõe de informações suficientes para avaliar o risco de um cliente potencial, ele não consegue diferenciar os bons pagadores dos devedores contumazes, e por isso eleva a taxa de juros de todos os clientes para cobrir os prejuízos decorrentes do risco de inadimplência futura. Na prática, os bons pagadores acabam pagando pelos maus devedores, pois não há informações que permitam distinguir um grupo do outro.
Os bancos de dados de proteção ao crédito ajudam a corrigir as ineficiências do mercado de crédito geradas pela assimetria de informação, pois coletam, organizam e transmitem ao mercado informações sobre o comportamento de indivíduos e firmas. Ao atingirem um estágio de desenvolvimento adequado, diversos são os benefícios que tais instrumentos propiciam aos consumidores, a começar pela redução das taxas de juros e ampliação da oferta de crédito para aqueles que historicamente cumprem a maior parte de suas obrigações.
O desenvolvimento desses bancos de dados tende a beneficiar especialmente a população de baixa renda e as micro e pequenas empresas, que geralmente não possuem patrimônio e ativos suficientes a serem oferecidos em garantia nas operações de crédito. Com a expansão do volume de informações pelos bancos de dados, contudo, esses dois importantes segmentos da sociedade passam a contar com o seu próprio histórico de pagamentos, que constitui uma "garantia reputacional" para o mercado de crédito. Com esse instrumento, o risco de inadimplência é minorado, ampliando os negócios e barateando o custo do crédito para os bons pagadores.
Infelizmente, devido à ausência de uma regulação adequada, os bancos de dados de proteção ao crédito no Brasil ainda não apresentam as características necessárias para estimular a expansão do volume e a redução do custo das operações de crédito e comerciais. Além disso, não há uma legislação abrangente que proteja efetivamente o consumidor contra danos à sua reputação. No Brasil, os bancos de dados praticamente só coletam e disseminam informações sobre inadimplência, informações negativas, criando as chamadas "listas negras". As informações positivas, de adimplemento, que demonstram que o consumidor ou a empresa são bons pagadores, não são coletadas devido à ausência de amparo legal para essa atividade. Esse processo gera duas conseqüências graves que se refletem na elevação do custo das transações. De um lado, os emprestadores e vendedores não conseguem avaliar de modo satisfatório o risco de inadimplência de seus clientes - gerando os problemas de seleção adversa e risco moral identificados pela literatura econômica. Por outro lado, como não são distribuídas informações positivas, limita-se a competição entre as instituições financeiras e de comércio pelos melhores clientes.
Visando preencher essa lacuna regulatória e incentivar o desenvolvimento dos bancos de dados de proteção ao crédito no Brasil, o governo federal, após um amplo debate junto à sociedade, inclusive com a participação efetiva das entidades de defesa do consumidor através de um processo de consulta pública, encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei regulamentando a atividade desses bancos de dados.
No campo da proteção ao consumidor, o projeto propõe regras claras e factíveis para garantir aos cadastrados o pleno acesso às informações coletadas e distribuídas pelos bancos de dados, possibilitando meios efetivos de questionamento e correção. Para corrigir a distorção causada pelas "listas negras", é permitida expressamente a coleta de informações positivas, desde que autorizada pelo consumidor. Assim, os bancos de dados permitirão que indivíduos e firmas utilizem suas "garantias reputacionais" na disputa por menores taxas de juros. Complementarmente, os bancos de dados são autorizados a analisar as informações coletadas estabelecendo um sistema de pontuação dos cadastrados (conhecido como credit scoring) e facilitando, portanto, a utilização das informações pelos usuários do sistema.
A elaboração do projeto de lei que disciplina a atuação dos bancos de dados de proteção ao crédito no Brasil representa mais um importante avanço na condução da agenda microeconômica do governo federal voltada para o desenvolvimento do mercado de crédito e o aumento da segurança das relações comerciais. A experiência internacional revela que sistemas de proteção ao crédito bem estruturados têm consideráveis efeitos sobre o crédito, principalmente o voltado para os segmentos mais vulneráveis da população, gerando efeitos consideráveis sobre a qualidade de vida da população e o potencial de crescimento do país.