Título: Argentina investe US$ 1,2 bi em biocombustível
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2008, Agronegócios, p. B10

Com investimentos já feitos e em andamento da ordem de US$ 1,2 bilhão em biocombustíveis, a Argentina caminha para ter cerca de 10% da produção mundial de biodiesel em 2010. Desde a primeira planta inaugurada há apenas dois anos, hoje o país tem 22 usinas de biodiesel à base de soja e agora se prepara para avançar no mercado de etanol à base de cana-de-açúcar.

O setor açucareiro argentino planeja investimentos de US$ 500 milhões na produção de etanol, informa a Associação Argentina de Biocombustíveis e Hidrógenos (AABH). Os recursos seriam aplicados pelas grandes empresas do setor na melhoria da eficiência das usinas e destilarias atuais, além de equipamentos e tecnologia para complementar a produção de álcool de cana com beterraba, sorgo doce e milho.

Também serão construídas novas plantas de efluentes e de co-geração de energia e tanques de armazenamento e de desidratação para obtenção de álcool anidro. Nesse montante está incluído um aumento da produção de cana na região noroeste do país e ao norte da província de Santa Fé. Em entrevista semana passada ao jornal "La Nación", o presidente do Centro Açucareiro Argentino, Fernando Nebbia, disse que "o etanol e a co-geração podem ser o lugar onde orientar os esforços para [o setor] seguir crescendo".

Um novo projeto de peso para produção de etanol de cana está para ser anunciado pelo Corporación América S/A (Casa), um dos grupos empresariais mais importantes da Argentina em construção civil e concessões públicas. A subsidiária de biocombustíveis do Casa, a Unitec Bio, que já tem uma planta em funcionamento e obras para ampliação em andamento, está construindo uma nova usina e planta cana nas províncias de Formosa e Chaco. Procurado pelo Valor, um porta-voz do grupo confirmou o projeto, mas disse que os profissionais responsáveis já haviam saído para as festas de fim de ano e não podiam ser encontrados para fornecer maiores detalhes.

O diretor-executivo da AABH, Cláudio Molina, um dos maiores especialistas em biocombustíveis do país, afirma que a produção de etanol argentino será baseada em mais de 90% em cana. Porém outros produtos como milho, sorgo e beterraba açucareira tropical poderão entrar na composição do produto em longo prazo.

"O grosso da produção de etanol será para o mercado interno, já que para atender, em princípio, a adição de 5% (de biocombustíveis) à gasolina serão necessárias 244 milhões de litros anuais", diz Molina. Ele se refere à legislação argentina para biocombustíveis aprovada em 2007 que determina a adição de 5% do produto à gasolina a partir de 2010. Há uma possibilidade de este percentual ser elevado para 10% e, nesse caso, serão necessárias 500 milhões de litros anuais, calcula. A legislação determina ainda que a partir de 2010 o diesel tenha adição de 5% de biodiesel, o que demandará, segundo seus cálculos, 800 milhões de litros anuais. "É possível colocar em prática a lei já durante o ano de 2009 porque as plantas de biodiesel já prontas têm capacidade para atender à demanda (projetada)".

Há cerca de dois meses o governo da presidente Cristina Kirchner editou normas complementares à lei de promoção dos biocombustíveis à base de cana e outras fontes, com benefícios para os produtores das regiões onde há mais cultivo (o noroeste, principalmente Tucumã, Salta; Chaco e Formosa no Norte).

A Argentina provavelmente nunca competirá com o Brasil na produção de biocombustíveis à base de cana, porque o país produz apenas 24 milhões de toneladas da matéria-prima contra 550 milhões de toneladas do Brasil, e não há outras áreas favoráveis à expansão do plantio. Em contrapartida é o terceiro maior produtor de soja do mundo, com cerca de 47 milhões de toneladas produzidas este ano, e os especialistas dizem que tem potencial para tomar a liderança do biocombustível à base dessa oleaginosa.

"Onde o Brasil demonstrou sua superioridade em etanol derivado de cana, a Argentina está por demonstrar sua superioridade em biodiesel baseado em soja", afirmam os pesquisadores John A. Mathews, da Universidade Macquarie, de Sidney, Austrália, e Hugo Goldsztein, da BiogasBiodiesel.Biz, de Buenos Aires, que analisaram detalhadamente o caso argentino em um amplo artigo sobre Política Energética divulgado em julho.

Nos últimos anos, a indústria de biodiesel tem tido expansão significativa na Argentina, e é provável que em 2009 a capacidade instalada atinja cerca de 1,9 milhão de toneladas anuais, estima Molina. As exportações já ultrapassam 1,1 milhão de toneladas e as estimativas são de que superem os três milhões de toneladas ao final de 2010. "A Argentina tem a vantagem de poder exportar mais de 90% do total de óleo (de soja) que produz, diferentemente do Brasil que tem um consumo interno de óleo muito importante", diz Molina ao avaliar o potencial de crescimento e exportação do produto.

Os investimentos programados mostram que a capacidade instalada tende a continuar em expansão, embora a crise internacional possa atrasar alguns projetos pela falta de financiamento.