Título: Lula convida eleitos para esvaziar marcha de reivindicações
Autor: Felicio , César
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2008, Política, p. A4

A relação dos novos prefeitos com o governo federal começa desobstruída. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai realizar uma reunião entre os dias 10 e 12 de fevereiro para a qual estão convidados todos os 5.562 prefeitos do país. Os prefeitos vão participar de exposições com todo o ministério, nas quais a União vai apresentar aos prefeitos o que eles poderão esperar de ajuda de Brasília em um ano em que o Orçamento da União prevê uma diminuição de R$ 3,35 bilhões nos repasses obrigatórios para Estados e municípios. Ruy Baron / Valor

Paulo Ziulkoski, presidente da CNM: programas federais de repasse não representam alívio aos cofres municipais

Segundo o secretário para Assuntos Federativos da presidência, Alexandre Padilha, o governo irá acenar com novos projetos para a qualificação dos professores nos 1.293 municípios que estão com média abaixo da nacional na avaliação escolar do Ideb. Está prevista também a ampliação dos "Territórios da Cidadania" de 60 para 120.

Sob essa denominação publicitária estão os conjuntos dos 980 municípios mais pobres do país, em que se concentram o pacote de políticas sociais do governo federal. Em 2008, foram aplicados R$ 12 bilhões nessas cidades. Segundo Padilha, a meta é dobrar o total das prefeituras que ganham atendimento especial. Durante o encontro, o governo federal irá pedir que os novos prefeitos compatibilizem os seus projetos com as ações já estabelecidas por Brasília. Para os municípios com maior índice de atendidos no Programa de Agricultura Familiar (Pronaf) será requisitado que as prefeituras aumentem sua atuação na assistência técnica dos beneficiados.

A Secretaria de Relações Institucionais (SRI) confirma que, além de recebidos diretamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eles deverão se reunir com representes dos ministérios, a fim de discutir, entre outros temas, programas de transferência voluntária de recursos da União às administrações municipais.

Coincidência ou não, o governo marcou o evento para poucos meses antes da tradicional Marcha de Prefeitos a Brasília, que acontece há pelo menos dez anos, sempre em abril ou início de maio. Dificilmente, no entanto, a marcha será esvaziada, acredita Paulo Ziulkosky, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), uma das entidades responsáveis por sua organização. Segundo ele, por maior que seja o esforço do governo em convencer os prefeitos sobre as vantagens de firmar convênios nesse sentido, na grande maioria dos casos, os programas federais de repasse não representam alívio aos cofres municipais. Ao contrário, alerta, principalmente aqueles que envolvem gastos continuados acabam gerando mais despesas do que receitas.

Um exemplo é o Programa Saúde da Família, por intermédio do qual o governo federal repassa dinheiro para contratação de profissionais de saúde. Para cada equipe contratada pela prefeitura (um médico, um enfermeiro e um auxiliar de enfermagem), informa Ziulkosky, a União transfere R$ 5,4 mil por mês. Em média, porém, os municípios não conseguem manter uma equipe por menos de R$ 21,5 mil mensais. Ou seja, para cada real transferido pela União, a prefeitura entra, aproximadamente, com outros três de receita própria. Conforme o presidente da CNM, essa acaba sendo a contrapartida apenas com pessoal e encargos. Se forem consideradas também despesas de transporte, a parte assumida pelas prefeituras é ainda maior.

Outro exemplo é o Bolsa Família. Embora o programa seja federal e as pessoas recebam o auxílio diretamente do governo central, as prefeituras é que fazem a seleção, o cadastramento e o controle da lista das famílias com direito ao benefício. Para fazer esse serviço, as administrações municipais recebem de R$ 6,00 a R$ 8,50 por família, por mês. O que se gasta efetivamente com o manutenção e o controle desses cadastros, que exigem fiscalização periódica da situação das famílias, em geral chega a três ou quatro vezes mais, dependendo do município, afirma a assessoria técnica da CNM.

Para Ziulkosky, esses dois exemplos são uma evidência de que os programas federais de repasse têm servido para o governo da União expandir suas políticas públicas sem aumentar gastos na mesma proporção. Isso porque parte do custo dessa expansão - muitas vezes a maior - é empurrada para os municípios. "A falta de financiamento adequado à descentralização de políticas públicas é hoje o grande nó das relações federativas no Brasil. Nos últimos anos, em função de programas como esses, o governo federal transferiu responsabilidades para os municípios sem a devida compensação financeira", diz o presidente da CNM, convicto de que o problema não será resolvido a curto prazo, muito menos no encontro planejado pelo Planalto para fevereiro.

Ele alerta ainda que, uma vez contratados os programas, mesmo em caso de rompimento dos convênios, as administrações municipais não conseguem reduzir os gastos, ou porque a população não aceita redução da oferta dos serviços ou porque os prefeitos esbarram em limitações para demitir pessoal. Em muitos municípios, por causa de ações judiciais, mesmo a contratação de equipes relativa a convênios com o governo federal precisa ser por concurso, o que dá estabilidade aos contratados. Diante disso e do fato de que não existe nenhuma garantia de que as transferências de recursos cresçam junto com os salários, muitas prefeituras preferem não contratar programas federais, mesmo que isso seja impopular, diz Paulo Ziulkosky.

Ele destaca que não é só através de programas de adesão voluntária que a União tem criado novas despesas para os municípios. Ele aponta como exemplo a regulamentação do Fundeb, fundo de financiamento do ensino básico, no qual a participação é obrigatória. O Fundeb foi criado por emenda constitucional para substituir o antigo Fundef (do ensino fundamental) e, assim, incluir creches e educação pré-escolar. O problema, segundo Ziulkosky, é que o peso atribuído às vagas de creche na divisão do bolo de recursos do fundo, alimentado por dinheiro dos próprios Estados e municípios, é muito pequeno. Com isso, diz, as prefeituras estão recebendo por criança matriculada menos de um terço do que efetivamente gastam.

Na opinião de Ziulkosky, o Brasil precisa de um novo pacto federativo. Isso significa redefinir com mais precisão as competências de União, Estados e municípios na execução de políticas públicas e, em seguida, adequar a partilha do bolo de receitas tributárias a esse novo quadro. Ele defende que essa seja a principal bandeira das administrações municipais no que diz respeito a mudanças estruturais no setor público. Se não houver pressão dos prefeitos sobre o governo federal e o Congresso, essa revisão de competências e adequação de partilha dificilmente ocorrerá, diz.