Título: Prefeitos estréiam sob pressão de cortes
Autor: Felicio , César
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2008, Política, p. A4

A expectativa de aperto no custeio da máquina administrativa marca a posse dos 5.562 prefeitos nesta quinta-feira. O primeiro trimestre dos novos prefeitos é também aquele que é esperado como o mais difícil de 2009. Apesar disso, entre os prefeituras das principais capitais, poucas já adiantaram os cortes no Orçamento aprovado pelas Câmaras Municipais. O prefeito reeleito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), foi um dos primeiros a fazê-lo. Já se decidiu fazer um corte no valor do Orçamentária, que caiu de R$ 29 bilhões para R$ 27,5 bilhões. É provável que tenha em breve a companhia do prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), que irá receber um Orçamento de R$ 12 bilhões.

No Recife, em Salvador e Porto Alegre, o petista João da Costa e os pemedebistas João Henrique e José Fogaça acenam com o corte de despesas de custeio ao longo do ano. Em Curitiba, o prefeito reeleito Beto Richa (PSDB) não alterou o valor global da peça orçamentária, mas fará um contingenciamento das despesas no início do ano. Em Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB) deve tentar aumentar a arrecadação com a revisão da planta de valores do IPTU.

"Há muita margem para racionalizar gastos nas prefeituras sem necessidade de fazer cortes orçamentários. Mesmo com um cenário econômico muito ruim, estamos longe de uma derrocada nas contas municipais. Ninguém está enxuto", comentou o economista Amir Khair, ex-secretário municipal de Finanças em São Paulo entre 1989 e 1992 e atual consultor econômico de prefeituras. O economista lembrou que usualmente as peças orçamentárias já são calculadas com receitas subestimadas, um instrumento para aumentar a margem de remanejamento do gestor público, com a entrada de créditos adicionais.

"Um primeiro efeito da crise será reduzir o artificialismo do Orçamento. A margem de manobra tende a cair e as vinculações fiscais deverão ser seguidas à risca", disse. Em geral, prefeituras e governos estaduais embutem como gastos em saúde e educação despesas estranhas ao setor, como a inauguração de restaurantes populares, quadras de esporte e outros. "Com a queda de arrecadação e a entrada em vigor do piso nacional de professores, as prefeituras devem realmente gastar 25% de seu Orçamento com a educação, como manda a lei", disse. O novo piso salarial estabelece um salário base de R$ 900.

A queda na arrecadação já começou a ser sentida ainda no último trimestre de 2008, de acordo com o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, o ex-prefeito de Ana Pimentel (RS) Paulo Ziulkoski, do PMDB. "As três grandes fontes de receitas municipais são o ICMS, que rende cerca de R$ 50 bilhões; o FPM, que compreende R$ 39 bilhões e o ISS, que rende R$ 20 bilhões. São todos tributos que incidem sobre a movimentação econômica, e não sobre o patrimônio. Esta queda já vai fazer com que muitos prefeitos em fim de mandato não cumpram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que proíbe a passagem de restos a pagar de uma administração para a outra. Será traumático", previu Ziulkoski.

O encerramento do mandato adquiriu tons dramáticos em Natal, onde o prefeito Carlos Eduardo Alves (PSB) apenas no feriado de Natal conseguiu garantir o pagamento da folha salarial de dezembro, de R$ 28 milhões. A cidade será governada pela oposicionista Micarla de Souza (PV) . Alves usou recursos municipais para pagar as contrapartidas da prefeitura em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e contava a venda das contas bancárias municipais para o Banco do Brasil por R$ 40 milhões para poder entregar a prefeitura com dinheiro em caixa para a sucessora. Mas a prefeita eleita não concordou com o negócio, anunciada apenas após as eleições, e orientou os vereadores oposicionistas a sustar a venda no poder Legislativo.

O BB recorreu à Justiça e fez o depósito dos R$ 40 milhões em juízo. Potencial candidato ao governo estadual em 2010, Alves corria o risco de ser declarado inelegível, se não houvesse conseguido derrubar o decreto legislativo no Supremo Tribunal Federal na semana passada.

O entrosamento de alguns prefeitos da nova safra com os governos estaduais é um trunfo para minorar os efeitos da crise econômica. Em São Paulo, a integração entre Kassab e o governador José Serra (PSDB) é tamanha que o prefeito reeleito participou como convidado da reunião de Serra com seu secretariado no último dia 19. Grande parte dos R$ 40 bilhões que Serra ainda pretende investir até o final do mandato será aplicado na capital estadual. Em Belo Horizonte, o governador Aécio Neves (PSDB) deverá implantar uma agência regional de desenvolvimento voltada para Belo Horizonte e região metropolitana, concentrando a maior parte dos investimentos estaduais. O autor do projeto apoiado por Aécio é o vice-prefeito eleito da capital mineira, Roberto Carvalho (PT), ligado ao atual prefeito Fernando Pimentel.