Título: Alstom aposta em obras de infra-estrutura
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2008, Empresas, p. B6

A forte desaceleração da economia global não assusta o presidente mundial da Alstom Transporte, Philippe Mellier. "Nós temos sorte com a crise", disse ele, para quem as perspectivas para a indústria metroferroviária são estáveis ou até um pouco melhores do que antes do agravamento da turbulência mundial, dado que vários governos apostam em programas relevantes de gastos em infra-estrutura para reanimar a atividade econômica. Leo Pinheiro/Valor

Philippe Mellier, presidente da Alstom Transporte: Crise não deve prejudicar os negócios do setor metroferroviário

Mellier destacou o pacote de 26 bilhões de euros anunciado pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, para estimular a economia, que inclui a decisão de começar imediatamente quatro novas linhas de trens de alta velocidade (TGV, na sigla em francês, uma das principais especialidades da Alstom) e de investir 450 milhões de euros adicionais no metrô de Paris. "Está claro que em toda a Europa há uma política de investimento keynesiana", afirmou Mellier, em conversa realizada na sexta-feira com alguns jornalistas brasileiros e argentinos, na cidade suíça de Lausanne.

Ao falar dos planos da Alstom no Brasil nos próximos dois anos, Mellier disse que o projeto mais "quente" que interessa à empresa no país atualmente é o veículo leve sobre trilhos (VLT, uma espécie de "bonde moderno") de Brasília. A companhia faz parte de um dois consórcios pré-qualificados para participar da concorrência, que teve o edital publicado em 21 de novembro, com um valor total de R$ 1,3 bilhão. A abertura das propostas está marcada para o dia 22 deste mês, e o Metrô do Distrito Federal espera assinar o contrato em fevereiro de 2009, para início imediato das obras. Mellier disse que a empresa tem interesse na venda de trens para o Metrô do Rio de Janeiro e também em projetos para o Metrô de São Paulo.

O executivo mostrou cautela ao comentar as perspectivas para o trem-bala que deve ligar o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas. Calculada em US$ 11 bilhões, a obra faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "É um projeto muito importante, mas acho que será necessário esperar dois ou três anos para finalizar a decisão", afirmou ele. "As autoridades em Brasília estão pensando na questão da tecnologia, no estilo da linha. São muitos estudos antes de sair uma oferta pública."

Na semana passada, em depoimento ao Congresso, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, informou que o governo rejeitou um estudo de demanda de usuários na região em que será construído o trem de alta velocidade, elaborado pela consultoria Halcrow Group. A empresa terá mais três meses para completar o trabalho. A previsão da Casa Civil é realizar o leilão no segundo semestre de 2009 e concluir a obra em 2014.

O projeto é um prato cheio para os trens de alta velocidade da Alstom, que domina esse mercado. Desde 1981, quando houve a inauguração da linha entre Paris e Lyon, a empresa vendeu cerca de 70% dos TGVs existentes no mundo. Atualmente, a Alstom testa o AGV, uma nova geração de trens de alta velocidade que devem atingir 360 quilômetros por hora. Os TGVs costumam ir até 320 quilômetros por hora. Operando sem locomotiva - os motores ficam distribuídos por todos os vagões -, o AGV deve entrar em operação comercial pela primeira vez em 2011, na Itália. A empresa italiana NTV foi a primeira a encomendar o produto, pedindo 25 trens, a um custo de 650 milhões de euros , além de um contrato de manutenção por 30 anos.

Além da perspectiva de que os governos invistam pesadamente em infra-estrutura para tirar a economia da crise, outra aposta da Alstom para manter o crescimento dos negócios é o baixo consumo de energia de produtos como o AGV. Num momento em que as preocupações com o aquecimento global se intensificam, esse é um trunfo importante, diz o diretor da plataforma de trens de alta velocidade da empresa, Laurent Baron. Citando números da Agência Francesa Ambiental e de Administração de Energia (Ademe), a Alstom diz que o AGV gera 2,2 gramas de gás carbônico por passageiro a cada quilômetro, um número bem menor que os 30 gramas de um ônibus, os 115 gramas de um carro e os 153 gramas de um avião. "A questão do consumo de energia foi decisiva na elaboração do projeto do AGV", afirma Baron. "Isso tem um apelo comercial importante num quadro como o atual", afirma ele, comemorando também a decisão de os eleitores da Califórnia terem aprovado, em referendo, que o Estado faça uma emissão de bônus de US$ 10 bilhões para financiar a construção de uma linha de alta velocidade entre San Francisco e Los Angeles.

A Alstom aposta as suas fichas num forte crescimento do mercado de alta velocidade até 2020. A expectativa da companhia é de que, até lá, sejam construídos mais 9 mil quilômetros na China, 6 mil na Europa, 2 mil nos EUA e 2,3 mil na Argentina. Para o Brasil, a expectativa é de que haja 400 quilômetros até 2020, uma extensão menor que os 518 quilômetros previstos no PAC para o trem-bala entre Rio de Janeiro, São Paul e Campinas.

Em abril de 2008, foi assinado o contrato para a construção de uma linha de alta velocidade na Argentina, com um trem bala entre Buenos Aires, Rosário e Córdoba, com 710 quilômetros e um custo previsto de US$ 3,9 bilhões. A Alstom é uma das quatro empresas que participam consórcio vencedor. O problema atualmente é como conseguir recursos para financiar o projeto num momento de crise financeira. Mellier disse que, hoje, o mercado está fechado, mas considera possível que a obra seja iniciada dentro de seis meses a um ano.

Em maio deste ano, o Wall Street Journal publicou informações de que autoridades suíças e francesas investigam se a Alstom pagou propinas para conseguir contratos em países da América do Sul - entre eles o Brasil - e na Ásia entre 1995 e 2003. Questionado sobre o assunto, Mellier disse que até o momento só existem "rumores e ruídos" sobre o assunto, mas não provas. "A Alstom é uma empresa limpa", afirmou ele. "Se há problemas, vamos atacá-los, mas, se não há problemas, não é bom que haja esses ruídos, que podem beneficiar a concorrência."

Ele disse acreditar que o caso não vai prejudicar a participação da Alstom em projetos no Brasil, lembrando que a companhia fechou em julho um contrato de 290 milhões de euros para os sistema de controle das linhas 1, 2 e 3 do Metrô de São Paulo. Com ele, deve diminuir o intervalo entre os trens, de 110 para algo como 60 segundos nos horários de pico.