Título: Crise reforça planejamento tributário
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2008, Brasil, p. A5

Na última semana a Vivo Participações divulgou um fato relevante em que anuncia uma restruturação, que, na prática, enxuga o organograma societário do grupo e viabiliza uma redução de carga tributária para os próximos anos. Numa operação semelhante, a Anglo Ferrous Brazil, da área de mineração, anunciou a decisão de eliminar da estrutura societária do grupo a Anglo American Participações em Mineração Ltda. Ed Viggiani / Valor

Paulo Vaz, do Levy & Salomão: preocupação é reduzir a carga tributária

A TCO IP, holding da Telemig Participações e da Telemig Celular, será cindida e desaparecerá. Suas participações nas duas Telemigs serão transferidas para as próprias subsidiárias. A Vivo Participações, que atualmente tem o controle integral da TCO, passará assim a ter participação direta nas duas Telemigs. Um dos resultados da eliminação da TCO é transferir para as duas Telemigs não só a parte do patrimônio que corresponde às suas ações, mas também o ágio pago na compra dessas participações. Um dos efeitos práticos da operação é viabilizar o aproveitamento do ágio como benefício fiscal. O ágio gera uma despesa que reduz os 34% devidos de Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A Anglo Ferrous Brazil decidiu eliminar da estrutura societária do grupo a Anglo American Participações em Mineração Ltda. Com uma cisão, a holding Anglo American transferirá parcelas de seu patrimônio às suas subsidiárias, juntamente com o ágio correspondente a essas participações. Da mesma forma, a operação viabiliza o aproveitamento do benefício fiscal do ágio nas subsidiárias.

As reestruturações societárias divulgadas pela Vivo e pela Anglo Ferrous não são casos isolados. Tributaristas contam que atualmente o alvo de consulta das grandes empresas nos escritórios de advocacia é a formulação de planos para tornar a administração mais eficiente e, como um dos resultados, reduzir a carga tributária. "A preocupação com isso aumentou muito com a perspectiva de desaceleração econômica em 2009", diz o tributarista Paulo Vaz, do Levy & Salomão. Economizar tributos, lembra, é uma forma de preservar os resultados da companhia. Em vez da economia tributária numa operação de aquisição ou ampliação de atividades, as consultas concentram-se em formas para enxugar custos e ter um desenho que propicie um pagamento menor de IR.

Entre as receitas está a reestruturação do grupo para permitir o aproveitamento do benefício fiscal do ágio pago em aquisições de empresas. Na maior parte das vezes a operação foi feita por meio da criação de uma holding, que acabou detentora das participações acionárias. A holding pura, que tem somente participações acionárias, não tem resultados próprios para aproveitar a dedução do ágio como despesa no cálculo do IR. A solução, nesse caso, é cindir a holding em favor das subsidiárias, que terão condições de aproveitar o benefício, explica Vaz.

O advogado Igor Nascimento de Souza, do Souza, Schneider e Pugliese Advogados, lembra que não há prazo máximo para o aproveitamento do ágio pago na aquisição de participação acionária. A necessidade de viabilizar despesas dedutíveis para o próximo ano, porém, tem feito as empresas se interessarem por uma nova estrutura, que possibilite o uso do benefício. "Há também uma preocupação em usar esse ágio o mais rapidamente possível, já que ainda existe o receio de que uma alteração da legislação contábil e tributária restrinja a vantagem fiscal." Souza se refere principalmente à nova lei contábil, recentemente regulamentada de forma a garantir a neutralidade tributária até 2010.

No caso da cisão de uma holding, lembra Vaz, a operação pode ser aproveitada para se fazer também o rateio das despesas de cada uma das subsidiárias. É comum a holding acumular prejuízos, porque centraliza despesas administrativas, como telefonia e pagamento aos executivos. Na holding, porém, muitas vezes essas despesas não podem ser aproveitadas por falta de lucro tributável. "É possível aproveitar a operação para ratear as despesas entre as subsidiárias e possibilitando a elas a dedução desses gastos."

As receitas de reestruturação mais demandadas, porém, não se resumem à melhor forma de usar o ágio. Outra forma de reorganizar o grupo e garantir redução de carga tributária é juntar operações que tenham lucro com outras que passaram a dar prejuízo neste ano. "Esse quadro passou a ser muito comum em grupos nos quais as dívidas em dólar, por exemplo, estavam concentradas numa só empresa", diz Vaz. A idéia é reorganizar a sociedade de forma que, em 2009, as perdas de uma atividade possam neutralizar os ganhos da outra. Caso contrário, uma das empresas terá prejuízos fiscais e a outra um lucro alto sobre o qual pagar IR.

O advogado Waine Domingos Perón, do Braga & Marafon, diz que também vale reunir os ativos imobiliários do grupo em uma só empresa, que fica responsável por alugar terrenos e outros imóveis para as demais. Isso é aplicado principalmente quando os ativos imobiliários são antigos, estão em valores históricos e, por isso, a despesa de depreciação gerada por eles no Imposto de Renda não é muito vantajosa.

Com a reunião dos ativos numa empresa que aluga os imóveis, as demais companhias trocam as despesas de depreciação por uma de aluguel, que gera uma dedução bem maior no cálculo do IR. "Na regra geral, a despesa de aluguel corresponde mensalmente a 1% do valor atualizado do imóvel. É uma despesa maior do que a da depreciação, já que esses ativos costumam estar com valor histórico médio dez vezes menor do que o preço de mercado", calcula Vaz.

Esse planejamento, explica Perón, vale a pena quando a carga tributária da empresa locadora dos imóveis for menor que a vantagem tributária obtidas pelas demais empresas que trocarão a despesa de depreciação pela de pagamento de aluguéis.

Vaz diz que as reestruturações societárias podem ser especialmente interessantes para as companhias que podem fechar o ano com prejuízo contábil ou com lucros reduzidos, mas com resultados tributários significativos. Isso é possível, porque o lucro contábil é diferente do lucro para cálculo do IR. Dívidas em moeda estrangeira e perdas com derivativos, por exemplo, vão dar origem a prejuízos contábeis já em 2008. Mas para o cálculo do Imposto de Renda só darão resultado no momento do fechamento da operação. "Muitas dessas operações serão liquidadas no futuro", esclarece ele.

Vaz lembra ainda que os planejamentos para reduzir carga tributária precisam estar no meio de uma reestruturação que vise uma eficiência administrativa geral, não só dos impostos. "Isso é importante até para evitar que a fiscalização no futuro autue as operações, alegando que só foram realizadas para reduzir carga tributária."