Título: Programa tem 79% das famílias sem emprego
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2009, Brasil, p. A4

Célia Regina Silva, 44 anos, vive com os quatro filhos e dois gatos em uma casa de três cômodos, sem reboque, com cobertura de telhas de zinco, no extremo leste de São Paulo. "É impossível ficar sem gato para comer os ratos, que vêm do córrego aí atrás", disse. Ela não tem carteira assinada, só faz alguns bicos de vez em quando, e sustenta a casa com os R$ 152 que ganha do programa Bolsa Família. O filho mais velho, Gilmar, 17 anos, estava ontem à tarde em sua primeira entrevista de emprego. Separada do marido, Célia cuida sozinha dos filhos, principalmente do mais novo, Victor, 9 anos, que exige atenção médica constante, porque sofreu problemas no parto.

A partir de um indicador desenvolvido pelo Instituto de de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a pedido do Ministério do Desenvolvimento Social, os municípios vão identificar as vulnerabilidades de famílias como a de Célia, que estão inscritas nos programa de transferência de renda do governo federal. Os gestores poderão incluir as donas de casa e outras pessoas da família em programas especialmente direcionados para os seus problemas. No caso dessa mãe de quatro filhos da periferia da capital paulista, por exemplo, interessariam cursos de capacitação profissional, ajuda para a melhoria do domicílio ou atendimento de saúde especial. É um instrumento diferente dos indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que não identificam as famílias.

O Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF) também traz alguns dados macros que ajudam a traçar um raio-X das famílias pobres brasileiras. Conforme o indicador, as principais vulnerabilidades das 17,4 milhões de famílias inscritas no cadastro único para programas sociais do governo federal, que é utilizado como base de dados para o Bolsa Família, são o acesso ao trabalho e o acesso ao conhecimento: 79% das famílias não têm emprego formal ou até mesmo ocupação na economia informal e em 64% dos casos os adultos têm deficiências na formação educacional.

Segundo a economista Mirela de Carvalho, o IDF é composto de 41 diferentes indicadores extraídos do cadastro único, que estão divididos em seis grandes dimensões: composição familiar (gestante, crianças, marido, filho com necessidades especiais), acesso ao conhecimento (nível educacional dos adultos), acesso ao trabalho (ocupação), disponibilidade de recursos (renda), desenvolvimento infantil (educação para as crianças) e condições habitacionais (casa própria, número de pessoas por casa, acesso a água, esgoto, luz). "O objetivo inicial da pesquisa era utilizar melhor a riqueza de informações do cadastro único", disse Mirela. "O cadastro oferece nome, endereço e as variáveis de cada família, o que não acontece com outras pesquisas." Mirela participou da elaboração do índice sob a coordenação do economista Ricardo Paes de Barros e com a ajuda do estatístico Samuel Franco.

Para a secretária de renda e cidadania do MDS, Lúcia Modesto, o indicador pode se tornar um instrumento importante para os novos gestores municipais, que poderão priorizar programas sociais conforme as necessidades das famílias. "Será possível fazer um trabalho direcionado para as deficiências de cada membro da família", disse Lúcia. "Hoje a lógica é inversa. Os programas são divulgados e se inscreve quem se interessa e não exatamente quem precisa." Ela citou, por exemplo, que agora é possível convidar pessoas com deficiência educacional para cursos de alfabetização de adultos ou supletivos.

"Quando apresentaram o sistema em Brasília, foi um espanto. Se funcionar bem, vai ser muito útil em uma cidade como São Paulo que tem 2 milhões de pessoas cadastradas", disse Marcos Arouca, coordenador de gestão de benefícios da capital paulista. Ele deu outro exemplo: São Paulo tem dificuldades para acompanhar as contrapartidas de saúde das crianças e gestantes inscritas no Bolsa Família e, com o novo indicador, terá mais facilidade de saber onde instalar um posto de saúde. "Saberemos melhor para onde direcionar os recursos." Arouca explicou ainda que São Paulo já conta com um índice paulista de vulnerabilidade social, desenvolvimento pela Fundação Seade, mas ressaltou que o IDF vai permitir "entrar dentro de cada família".

A metodologia do Ipea permite verificar ainda as principais vulnerabilidades por município, Estado e região do país. De acordo com a secretária Lúcia Modesto, do MDS, o governo federal ficou impressionado com a homogeneidade dos dados. As famílias têm praticamente a mesma dificuldade para encontrar trabalho em São Paulo ou Nordeste. A disponibilidade de recursos é curta em qualquer parte da nação. Com exceção do Acre, que apresenta as condições habitacionais um pouco mais precárias, o panorama é bastante similar em todas as regiões. "Não adianta falar em Estado rico ou Estado pobre. A pobreza é muito parecida em todo o Brasil", disse Lúcia.