Título: O custo Brasil e a morosidade do Poder Judiciário
Autor: Guerra , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2009, Legislação & Tributos, p. E2

Já se afirmou que empresas estrangeiras têm deixado o Brasil por insatisfação com o aparelho judiciário e que há dificuldade para se medir o impacto do funcionamento do Poder Judiciário no chamado "custo Brasil". Recentemente, foi publicado o "Anuário da Justiça Paulista", informando que, dos cerca de 45 milhões de processos judiciais em andamento em todo país, há mais de 17 milhões em tramitação somente no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), principal centro financeiro do país. Como se não bastasse o imenso volume de demandas em tramitação, há, ainda, o problema da demora no prazo de finalização dos processos judiciais. Embora a preocupação com esse aspecto não seja recente, o tema vem ganhando, a cada dia, um novo relevo em virtude do movimento da busca pela Justiça, com a utilização de novas normativas específicas - como o Código do Consumidor, o Estatuto do Idoso etc. - e da conseqüente emergência da instrumentalidade do processo, além do próprio dinamismo das relações sociais modernas.

A temática da demora processual está intimamente atrelada ao fenômeno que se convencionou denominar crise da Justiça. Ao lado do crescente acervo de ações, da escassez de recursos humanos e financeiros e da ineficiente organização judiciária, afirma-se que a morosidade é uma das manifestações do estado de crise do Judiciário. A questão é, então, buscar compreender as razões pelas quais os processos não são julgados com a celeridade pretendida pelas empresas. Esse fenômeno não é exclusivamente brasileiro e já se tornou lugar-comum. Pesquisas realizadas em diversos países - como Chile, Itália, Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Portugal - apontam a insatisfação da população com o Poder Judiciário, e, invariavelmente, a demora na finalização dos processos é uma das maiores causas desse descontentamento.

Com efeito, a demanda por justiça é também a demanda por justiça tempestiva e integra as cartas constitucionais não como uma garantia secundária, mas como um dos componentes do devido processo legal. Bielsa e Graña observam que, quanto mais um julgamento demora a ser proferido, mais vai perdendo, progressivamente, seu sentido reparador, até que, transcorrido o tempo razoável para a solução do conflito, qualquer solução será irremediavelmente injusta, por mais justo que seja o seu conteúdo. Além dos prejuízos individuais (de ordem material e psicológica), a demora também causa danos à coletividade, por desencorajar outras pessoas a ingressarem no Judiciário, comprometendo a própria credibilidade das instituições de justiça.

Desse modo, não é possível pensar em um processo justo ou apto a realizar concretamente os seus valores constitucionais sem atentar ao seu prazo de duração. A preocupação com a duração razoável dos processos extrapolou os limites teóricos e foi inserida em textos legislativos e constitucionais, além de tratados internacionais. A Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 1950, foi o primeiro corpo legislativo a cuidar da garantia e inspirou sua consagração nas Constituições espanhola, portuguesa e, mais recentemente, italiana.

Entre nós, a despeito de sua índole garantística, a Constituição de 1988 silenciou acerca do prazo razoável de finalização processual, embora ele vigorasse por força de dois pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário: as Convenções de Nova Iorque e de São José da Costa Rica. O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos) consagra o direito a ser ouvido em prazo razoável, enquanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque assegura o direito a um processo "sem dilações indevidas".

Em 2004, a Emenda Constitucional nº 45 corrigiu entre nós a omissão constitucional, inserindo expressamente, no rol do artigo 5º, a garantia da razoável duração do processo, obtida pela celeridade processual. Nesse contexto, surge a discussão acerca da reparação por danos morais em razão da demora do processo. Há quem conceba a prestação jurisdicional como um serviço público monopolizado pelo Estado que deve ser entregue de forma adequada e eficiente, submetido às sanções do Código de Defesa do Consumidor - inclusive condenação decorrente da má prestação desse serviço.

Nesse sentido, a jurisprudência brasileira é bastante conservadora. Mas países como a Espanha, a França e a Itália reconhecem o dever de indenizar, já que a demora na prestação jurisdicional é considerada violação de direito fundamental do ser humano. Merece menção, ainda, a orientação da Corte Européia no sentido de que cabe indenização por danos morais sofridos em razão do estado de ansiedade prolongada causado pela espera da demanda.

Tentando objetivar a análise, a Corte Européia de Direitos do Homem estabeleceu três critérios de aferição da razoabilidade do tempo de duração do processo: (1) complexidade do tema; (2) comportamento das partes/advogados; e (3) atuação do órgão jurisdicional. Contudo, os parâmetros da corte reclamam pela avaliação individual e pormenorizada do caso concreto, o que dificulta sua ampla aplicação. Diversamente, nos Estados Unidos há um grande investimento das cortes para se aperfeiçoar o sistema processual e reduzir o "delay". Ademais, com base em estudos empíricos aprofundados, a American Bar Association (ABA) estabeleceu prazos quantitativos para conclusão dos processos, em razão do tipo e da natureza da demanda. Assim, por exemplo, as causas cíveis em geral devem ser julgadas, no máximo, em 12 meses e as "small claims", em 30 dias, e, em segundo grau, a duração deve ser reduzida à metade. Ademais, a ABA determinou que os prazos de todos os procedimentos devem ser fixados objetivamente, em número de dias ou meses, pela lei.

Conclusivamente, se a consagração constitucional da garantia da duração razoável dos processos é digna de aplausos, a fluidez da expressão dificulta a sua objetividade, por admitir interpretações flexíveis. É correto que a garantia da razoabilidade esteja prevista no texto constitucional, servindo, a um só tempo: (1) para nortear a legislação ordinária acerca da necessidade de se fixar parâmetros objetivos e (2) para servir como fundamento para eventuais indenizações acerca de dilações processuais descabidas. No entanto, cabe à legislação ordinária e à jurisprudência fixar os contornos do que se deve entender por duração razoável de acordo com o caso concreto.

Sérgio Guerra e Leslie Ferraz são professores doutores do curso de mestrado em Poder Judiciário da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV)

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