Título: Kassab respira, DEM radicaliza
Autor: Campbell, Ullisses
Fonte: Correio Braziliense, 23/02/2010, Política, p. 2

Prefeito paulista obtém liminar para retomar o mandato. Partido acusa o governo de pajelança para destruir a oposição e promete obstruir votações

Defesa de Kassab sustenta que não houve captação ilícita de recursos, como sugere o Ministério Público Eleitoral

São Paulo ¿ O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), teve o mandato cassado por três dias. Ontem, o mesmo juiz que tirou o cargo do democratas, deu a ele o direito de administrar a maior capital do país pelo menos até que o caso seja julgado em instâncias superiores do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Para suspender a cassação, o juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, acolheu recurso protocolado por advogados do prefeito na tarde de ontem.

Kassab, sua vice, Alda Marco Antônio (PMDB), e 24 dos 55 vereadores da Câmara Municipal de São Paulo tiveram o mandado cassado por conta de acusação do Ministério Público Eleitoral sustentando que, durante a campanha de 2008, eles teriam feito captação ilícita de recursos. Como os vereadores ainda não entraram com recursos pedindo o mandato de volta, em tese eles continuam sem poder exercer a função. Do total de parlamentares acusados, oito são do

PSDB, cinco do DEM, cinco do PT e dois do PTB. Os outros quatro pertencem a PV, PP, PR e PMDB.

A acusação estendia-se a outros cinco vereadores, mas eles conseguiram a absolvição no ano passado no decorrer do processo de cassação. Ontem pela manhã e no início da tarde, Kassab tentava transparecer tranquilidade. Bem-humorado, cumpriu agenda de prefeito normalmente e ainda brincou com o fato. ¿O que realmente me chateou no fim de semana foi a derrota do São Paulo¿, disse. O prefeito participou da inauguração do Centro de Referência de Assistência Social Aricanduva, na Vila Formosa, Zona Leste de São Paulo, e fez questão de levar consigo a vice-prefeita. ¿Não tenho motivos para me preocupar¿, disse, ignorando os efeitos políticos da cassação.

¿O ônus(1) dessa decisão da Justiça virá na campanha deste ano¿, avalia o cientista político Eduardo Rezende Junior, da Universidade de Campinas (Unicamp). Na representação que cassou o mandato de Kassab e dos vereadores, o documento redigido por integrantes do Ministério Público Eleitoral informa que houve doações de campanha irregulares feitas pela Associação Imobiliária Brasileira (AIB). Segundo os promotores eleitorais, uma revisão da prestação de contas comprovou que a AIB doou de forma irregular mais de R$ 1,6 milhão a candidatos a vereador e a Kassab e sua vice.

Pelo que rege a lei, se ficar comprovada a doação irregular e os gastos ilícitos, os políticos perdem o mandato e tornam-se inelegíveis por três anos. ¿Tratam-se de questões técnicas e jurídicas. Não está havendo acusação no campo moral¿, defende-se Kassab. Como há políticos praticamente de todos os partidos, é difícil achar quem jogue pedra no telhado de Kassab. O deputado estadual Adriano Diogo (PT), acostumado a criticar o democrata, jogou panos quentes na decisão que cassou o prefeito. ¿Nesse caso, a acusação contra ele é frágil¿, ressalta Diogo. Na relação dos oito vereadores que, a rigor, estão sem mandato, cinco são do PT. ¿Não dá para falar mal dessa vez¿, reconhece o deputado petista.

Juras de morte A decisão da Justiça não apaziguou o clima no DEM. Integrantes da legenda entendem que o PT adotou o caminho de minar a oposição com vistas às eleições presidenciais. Assim, a cúpula do partido ensaia uma articulação com o PSDB para complicar a vida de Lula em votações no Congresso. ¿Não se vota mais nada por acordo, porque não dá para negociar com quem nos jurou de morte¿, afirma o líder na Câmara, Paulo Bornhausen (DEM-SC).

A reação do DEM pode dificultar votações de propostas de interesse do governo, empenhado em alavancar a candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. ¿Por que vamos aprovar os projetos do pré-sal?¿, indaga Bornhausen, que articula obstrução com o PSDB. ¿Se querem radicalização, que aprovem o que quiserem com os votos deles¿, propõe Bornhausen.

O líder acusa o PT de mobilizar ¿células autônomas para destruir a oposição¿ e de fazer ¿pajelança¿ com o mesmo objetivo, durante o congresso do partido no fim de semana. ¿Nos tiraram da categoria de adversários para nos considerar inimigos. Isso é prática stalinista de quem não quer adversário na eleição¿, diz Bornhausen. O deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente do DEM, lembra que o discurso dos petistas no congresso remeteu a uma frase do ex-presidente do partido Jorge Bornhausen, em 2006. ¿A gente vai se ver livre dessa raça por pelo menos 30 anos¿. Para ele, o PT tentou atualizar a frase, antes vista como preconceituosa, na base do ¿tentaram acabar com nossa raça, vamos acabar com a deles¿.

1 - Serra preservado Na avaliação de Kassab, o pedido de cassação de seu mandato não vai atingir a imagem do governador José Serra (PSDB) durante a campanha à Presidência da República. ¿José Serra tem algo que poucos políticos têm no Brasil, uma biografia extensa, limpa. Ele mostrou ao longo de sua vida pública seriedade, ética e competência¿, disse. Segundo o democrata, Serra realizou grandes projetos em todos os cargos que ocupou em sua carreira e essa imagem está desvinculada de qualquer ação que outra pessoa ligada a ele cometa.

Nos tiraram da categoria de adversários para nos considerar inimigos. Isso é prática stalinista, de quem não quer rivais na eleição¿

Paulo Bornhausen, líder do DEM na Câmara, sobre a estratégia do PT para a corrida ao Planalto

Personagem da notícia Gerente de crises

Cria do ex-prefeito Celso Pitta, Gilberto Kassab (DEM) começou a vida política herdando o trono do então prefeito José Serra (PSDB). Vice do tucano na administração da capital paulista, ele era pouco conhecido da população. Formado em economia e engenharia civil pela Universidade de São Paulo (USP), teve vida pública discreta até chegar ao comando da maior prefeitura do país.

Antes, foi deputado federal por dois mandatos. Era conhecido por articular nos bastidores. Sua maior especialidade é costurar alianças e apagar incêndios com atitudes rápidas e inesperadas. Reza a lenda que ele articulou até conciliações entre seu ex-padrinho político Celso Pitta e a ex-mulher-problema, Nicéia Pitta, conhecida pelas disputas judiciais e pelas brigas após a separação.

Na prefeitura, desgastou-se com aumentos do IPTU e das passagens de ônibus e metrô. Foi criticado por causa das enchentes. Chegou a ser vaiado ao visitar recentemente o bairro Jardim Pantanal, castigado com excesso de água por três meses.

Nas pesquisas de opinião encomendadas pelo DEM, no entanto, aparece bem avaliado. Tanto que o partido vê nele o principal nome para concorrer ao governo de São Paulo. Ao derrotar Marta Suplicy nas eleições de 2008, o democrata turbinou o DEM em São Paulo e passou a ser considerado um aliado forte para levar o tucano José Serra ao Palácio do Planalto nas eleições deste ano.

Declarado na Justiça Eleitoral, o patrimônio de Kassab chega a R$ 5 milhões. A oposição acha alto para quem sempre esteve na folha do serviço público. Na Justiça comum, responde a um processo por improbidade administrativa. Com 50 anos, disse assim que foi declarado prefeito de São Paulo que cumpriria o mandato de quatro anos. Não votem em mim em 2010 se eu sair candidato, porque vou cumprir os quatro anos.¿