Título: Privatização de aeroportos: qual rumo tomar?
Autor: Barat , Josef
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2009, Opinião, p. A10

A Infraero é uma empresa pública que opera 67 aeroportos, 80 unidades de apoio à navegação aérea e 32 terminais de logística de cargas. É responsável por nada menos que 97% da movimentação do transporte aéreo de passageiros e cargas no país. A empresa investe na reforma e ampliação da capacidade dos aeroportos sob a sua responsabilidade por meio de receita própria. Esta é proveniente das seguintes fontes: a) tarifas de embarque de passageiros, pouso e permanência; b) armazenagem e capatazia de carga aérea; c) concessão de espaços comerciais nos aeroportos; e d) prestação de serviços de comunicação e auxílio à navegação aérea.

Como empresa pública, criada por lei federal, em 1972, para a prestação de um serviço público, não se exigiu à época que fosse celebrado um contrato de concessão com o poder concedente. Ou seja, atuando, em tese, como concessionária para a exploração da infra-estrutura aeroportuária, a empresa era, de fato, a concedente de si mesma, como, aliás, ocorreu com a maioria das empresas estatais prestadoras de serviços públicos. Desta forma, criaram-se lacunas e pendências institucionais - até hoje não resolvidas - relacionadas com a regulação dos serviços prestados pela Infraero.

A este respeito, podem ser aventadas algumas questões importantes. Se não existe um contrato de concessão, a Infraero é uma concessionária? Ela deve ser objeto de regulação? Esta regulação é de competência da Anac? No caso de serem concedidos aeroportos para a exploração privada, a Infraero poderá fazer a sub-concessão?

A Lei de criação da Anac, no seu artigo 3º, diz que cabe à Anac "observar e implementar orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo Conac", ressaltando adiante, em inciso: "estabelecimento de um modelo de concessão da infra-estrutura aeroportuária". No artigo 8º, inciso XXIV, está dito que a Anac "concede ou autoriza a exploração de infra-estruturas aeroportuárias no todo ou em parte". O inciso XXV acrescenta: "estabelecer o regime tarifário das explorações". A questão que se impõe, neste caso é: se a Infraero não é uma concessionária, por não dispor de um contrato de concessão, a Anac pode conceder ou autorizar a exploração dos aeroportos por ela operados, ou mesmo estabelecer o regime tarifário?

Ao se ventilar a possibilidade de exploração privada de alguns aeroportos da Infraero, cabe fazer algumas considerações. Quais seriam, em tese, as possibilidades? Pode-se ventilar três hipóteses:

1) A simples abertura do capital da Infraero, tornando-a uma Sociedade Anônima de capital aberto e ações negociadas em bolsa - com maioria ou não do capital da União. Neste caso, mantém-se a gestão da infra-estrutura aeroportuária como um sistema integrado e a preservação do mecanismo de subsídio cruzado aos aeroportos deficitários. As vantagens desta alternativa são as de: I) exercer um controle maior sobre a aplicação de recursos, por meio de auditorias externas independentes; II) reduzir as interferências político-partidárias, tanto na gestão empresarial, quanto na dos recursos humanos e financeiros; e III) dar maior racionalidade aos investimentos frente às pressões concretas da demanda.

2) A concessão por lotes de aeroportos rentáveis e não rentáveis, com encargos claramente definidos de investimentos em pistas, pátios e terminais. Cabe lembrar que a exploração das infra-estruturas aeroportuárias é um serviço público e, portanto, não pode estar sujeita apenas à regulação do mercado. Deve ser objeto de concessão de longo prazo e à regulação por parte de um ente regulador autônomo. Nesta alternativa, pode-se, inclusive, conceber um sistema em que se mantém a Infraero como empresa holding, responsável pelo planejamento e definição de estratégias globais, e empresas subsidiárias que seriam "privatizadas" para a exploração dos lotes.

3) A hipótese de conceder à exploração privada apenas os poucos aeroportos rentáveis, por meio de concessões específicas, deve ser precedida da superação das lacunas e pendências institucionais. Se não existe contrato de concessão e, portanto, não se define claramente como se dá a regulação, como se estabeleceria, no caso, uma sub-concessão? A questão adicional, nesta hipótese, é a de como poderia o governo garantir - de forma clara e prévia - qual será a fonte de recursos necessários para os investimentos e a operação adequada e segura dos aeroportos não rentáveis?

É sempre oportuno lembrar que concessões bem-sucedidas são aquelas pautadas por um duplo balizamento. De um lado, um marco regulador moderno e eficaz e, de outro, um planejamento de longo prazo e políticas públicas consistentes que abarquem as infra-estruturas objeto de concessão.

Olhando para o futuro, independente do tipo de cenário projetado, os investimentos nas infra-estruturas aeronáutica e aeroportuária deverão ser incrementados de forma significativa a médio e longo prazo. Será importante: I) conter a dispersão de recursos por uma grande diversidade de aeroportos, sem critérios claros de prioridades decorrentes das necessidades da demanda; e II) distribuir os investimentos de acordo com o que a demanda e a segurança exigem em termos de terminais, pátios, pistas e sistemas de aproximação e proteção ao vôo. Desta forma, será possível estimular o crescimento do transporte aéreo e a sua popularização, que devem ser vistos como positivos para o país.

Para viabilizar esses investimentos, há que se avaliar todas as possibilidades de financiamento, o que passa necessariamente pelo complexo debate acerca da privatização, estatização ou modelo misto de parcerias, para a exploração da infra-estrutura aeroportuária em suas diversas formas possíveis.