Título: Floresta de pé, e para sempre, atrai investidor e turista
Autor: Barros , Bettina
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2009, Empresas, p. B4

De olho nas novas tendências de mercado e no nicho promissor dos hotéis ambientalmente corretos, a Funcef, fundo de pensão da Caixa Econômica Federal, anunciou no fim de 2008 a criação de uma reserva florestal particular em seu Ecoresort de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Dona de um patrimônio imobiliário de R$ 2,1 bilhões, uma carteira hoteleira de três resorts e quatro hotéis econômicos, a Funcef agora quer agregar valor aos negócios via sustentabilidade. Ruy Baron/Valor

Jorge Luiz Arraes, da Funcef: "o custo de uma reserva florestal é pequeno para o valor agregado que teremos"

Angra será a primeira experiência "verde". A fazenda onde está localizado o ecoresort, composto por um hotel e dois condomínios, tem 180 hectares. Nada menos que 83,3% dessa área - 150 hectares - são de mata virgem, fragmentos da Mata Atlântica que sobreviveram à destruição do homem.

A Funcef ainda não tem as contas exatas, mas percebeu que a relação custo-benefício para manter a floresta em pé é interessante. Por um lado, o empreendimento está impedido por lei de derrubar árvores (o que sobrou da Mata Atlântica está protegido, sob pena de crime ambiental). Por outro, vê a procura crescente por hotéis "amigos da natureza" como oportunidade.

"O custo é pequeno para o valor agregado que teremos", disse Jorge Luiz de Souza Arraes, diretor de participações societárias e imobiliária da Funcef. Em entrevista ao Valor, Arraes afirmou que deseja institucionalizar uma política para "que isso não seja pontual" nos negócios. "Quem não tiver esse tipo de postura vai ficar para trás", diz.

O que diferencia esta iniciativa de outros ecoresorts no país é a sigla RPPN, de Reserva Particular para o Patrimônio Natural. Como o nome diz, trata-se de um instrumento jurídico destinado à preservação da floresta em propriedades particulares. É uma ferramenta ambiental extremamente rígida: uma vez criada a reserva - aprovada pelas autoridades ambientais e averbada em cartório - , a mata se torna intocável. Seus frutos ou sementes não podem ser comercializadas e as únicas atividades permitidas são as contemplativas (observação de pássaros e animais), de lazer (trilha e arvorismo) e pesquisa.

"É a garantia de preservação. A propriedade pode mudar de titularidade, mas a RPPN existirá sempre", diz Carlos Alberto Mesquita, do Instituto BioAtlântica, no Rio.

Ao criar a RPPN em Angra, o fundo de pensão da Caixa aderiu a um restrito grupo de hotéis que optou pelo mesmo caminho. Além de algumas dezenas de pousadas, quatro grandes nomes figuram na lista: Sesc Pantanal e Refúgio Ecológico Caiman (de Roberto Klabin), no Pantanal, Costão de Santinho, na Mata Atlântica catarinense, e o Cristalino Lodge, na Amazônia.

Em comum, esses empreendimentos enxergaram na RPPN uma forma de valorizar a imagem do hotel e o inserir num nicho de mercado ainda altamente inexplorado no país. Mas há também um forte componente emocional. Surgidas nos anos 90, as RPPNs em hotelaria resultam em muito da vocação de preservação florestal de seus proprietários.

"O ecoturismo não é o único propósito. Nosso principal objetivo é o de preservar a floresta e contribuir com os esforços de conservação da parte sul da Amazônia que está passando por rápidas mudanças", afirma Vitoria De Riva, diretora do Cristalino Lodge.

Nascida em Minas Gerais, Vitoria tem laços estreitos com a Amazônia. Seu pai foi fundador de Alta Floresta, município no norte do Mato Grosso onde está o Cristalino. Viveu parte da vida lá e decidiu agir quando viu os estragos causados pelo garimpo de ouro. "Foi uma época de desgosto", diz. Vitoria comprou a área de 700 hectares para realizar o impensável na região: preservar através do turismo. Agora, a reserva tem 7 mil hectares e é referência no ecoturismo, tendo recebido o prêmio World Savers 2008, promovido pela revista Condé Nast Traveler. Cerca de 80% de seus hóspedes são estrangeiros. É ainda hoje a única RPPN ligada à hotelaria em toda a Amazônia.

O sucesso desse tipo de atividade, no Brasil e no mundo, se explica pelos números. A Organização Mundial de Turismo calcula que em 2006, dado mais recente disponível, cerca de 42 milhões de pessoas se deslocaram de seus países de origem para fazer viagens motivadas pelo interesse na natureza.

"Ser sustentável deixou de ser uma coisa que se pode ou não fazer. Para o mercado internacional, isso é um pré-requisito", diz Patrícia Servilha, diretora no Brasil da Chias Marketing, empresa de planejamento estratégico de turismo com sede em Barcelona e escritórios no México, Argentina e Chile. A consultoria estima, a partir de dados da OMT, que esse viajante gaste, em média, US$ 103,59/ dia e permaneça 15 dias no destino.

O Costão do Santinho, em Florianópolis, tem em seu público alvo o chamado turista ambientalmente correto. Em 1999, o hotel criou uma RPPN de 44 hectares. Na área, foram catalogadas 180 espécies de aves, o que levou o Costão a entrar para o circuito nacional de "bird watching" - a observação de pássaros que atrai turistas dos quatro cantos do mundo. Na RPPN, os hóspedes ainda praticam arvorismo e caminham por trilhas.

Segundo Ciro Couto, coordernador de ecologia, cultura e ambiente do Costão, o ecoturismo tem crescido ano a ano, ao ponto de o hotel decidir montar uma célula de negócios só para isso. Em 2008, 30% dos 90 mil turistas que visitaram o Costão tinham como maior objetivo o ecoturismo.

Manter a floresta de pé tem o seu custo. É preciso cercar a área, mantê-la vigiada contra invasores e tomar medidas preventivas contra incêndios. Para fazer frente às despesas extras, os hotéis tendem a embutir os custos nas diárias.

Desde 1º de janeiro, o Refúgio Ecológico Caiman, no Pantanal, cobra uma taxa ambiental para os visitantes de R$ 30,00, por pacote. O dinheiro é destinado à manutenção de sua RPPN de 5,6 mil hectares. Se repetir a entrada de 3 mil turistas registradas no ano passado, será um reforço de R$ 90 mil no caixa. A aceitação dos hóspedes, segundo a empresa, tem sido boa.

O preço mais alto, aparentemente, não afugenta turistas. Uma pesquisa realizada no ano passado pela consultoria francesa TNS Sofres apontou que 69% dos 800 europeus entrevistados estão dispostos a pagar até 30% a mais em um pacote turístico desde que ele financie ações de preservação ambiental. No Equador, hóspedes de hotéis de selva recebem certificado de preservação de um determinado número de árvores , que varia dependendo do tempo de estadia.

Para que o número de reservas particulares ganhe escala, os especialistas defendem mais incentivos fiscais a quem manter a floresta. "A RPPN é uma ação voluntária. Se não tiver benefício, não tem escala", diz Márcia Hirota, diretora de Gestão do Conhecimento da SOS Mata Atlântica. A única vantagem hoje é a isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) da propriedade.