Título: O plano de Obama ainda é inadequado
Autor: Wolf , Martin
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2009, Opinião, p. A11
Na semana passada, o presidente eleito Barack Obama revelou, devidamente, seu plano de reinvestimento e recuperação dos Estados Unidos. O nome foi escolhido apropriadamente, já que Obama falou, surpreendentemente, como se as políticas do resto do mundo não tivessem influência sobre o destino dos EUA. Ele falou, também, como se um amplo estímulo fiscal fosse suficiente para restaurar a prosperidade. Se ele acreditar nisso, Obama está a caminho de ser surpreendido. As dificuldades contra as quais se confronta são muito mais profundas e globais do que isso.
Tenho poucas dúvidas de que os assessores estão dizendo exatamente isso ao presidente eleito. Os pontos que eles estão - ou deveriam estar - empurrando para cima de Obama são estes.
Primeiro, as autoridades monetárias japonesas, que disseram a todo mundo que os EUA estavam sob risco de cair em um período prolongado de debilidade econômica, estavam certas. Para compreender por que isso é verdade, é preciso ler um livro brilhante (" The Holy Grail of Macroeconomics: Lessons from Japan´s Great Recession"), de Richard Koo, do Nomura Research Institute. Na obra, explica como a combinação de preços de ativos em queda com alto endividamento empurra o setor privado a deixar de captar créditos e saldar dívidas. O governo, então, emerge como captador e gastador de última instância. Como o governo japonês, ao menos, tinha consciência disso, o país sofreu apenas uma recessão prolongada, em vez de um grande tombo.
Há muito se argumenta que a economia dos EUA não poderia sofrer como a do Japão. Isso é errado. É verdade que os EUA possuem três vantagens sobre o Japão: a destruição de riqueza no estouro da bolha japonesa foi três vezes o PIB, enquanto as perdas nos EUA certamente serão bem menores; as empresas dos EUA fora do setor financeiro não parecem estar excessivamente endividadas; e, apesar dos esforços dos oponentes da marcação a mercado de ativos, a admissão das perdas veio bem antes.
Em outros aspectos, contudo, os EUA, depois de sua recente farra de endividamento, ainda são mais vulneráveis do que o Japão. O restante da economia mundial estava forte e dinâmico o suficiente para sustentar as exportações japonesas. Agora, o mundo inteiro está em recessão. Além disso, os EUA são tanto um país devedor como um país com déficit. Os japoneses confiam em seu governo. Até que ponto confiam no Tio Sam? Até que ponto Hu Jintao confia, de fato, no Tio Sam?
Qualquer complacência sobre as perspectivas de recuperação dos EUA é perigosa. Ademais, o fato de os EUA possuírem um déficit estrutural em conta corrente tem grande relevância no segundo ponto que os assessores de Obama precisam postular-lhe. Um estímulo fiscal é um paliativo necessário para uma economia sobrecarregada de dívidas e afligida pelo declínio no preço dos ativos. No entanto, a provável escala e longevidade dos déficits fiscais necessários são bem assustadoras.
Na coluna da semana passada, ("2009 moldará o destino do mundo", Valor de 6 de janeiro), argumentei que o endividado setor privado dos EUA agora seria forçado a economizar. O excesso de receita sobre despesas do setor privado poderia ser de, digamos, 6% do PIB durante um período longo. Se o déficit estrutural em conta corrente continuasse em 4% do PIB, o déficit fiscal geral precisaria ser de 10% do PIB. Além disso, este se tornaria o déficit estrutural - ou para o emprego pleno.
O Gabinete de Orçamento do Congresso estima que a produção dos EUA ficará 7% abaixo de seu potencial nos próximos dois anos, caso as políticas fiquem inalteradas. Neste acaso, o déficit real teria de ser agora muito maior do que o estrutural. É fácil ver, portanto, por que os críticos argumentam que o plano de Obama de um estímulo fiscal adicional de 5% do PIB por dois anos é muito pequeno, mesmo com o gabinete partindo de uma linha de base de déficit de 8,3% do PIB neste ano. Também é fácil entender por que muitos têm pesadas objeções a cortes de impostos, já que quanto maior a probabilidade de que esses cortes de impostos devam ser economizados, maior terá de ser o pacote - e, somando-se a isso, os impostos evidentemente terão de subir no longo prazo.
A maior questão, contudo, não é que o pacote precise ser maior, embora de fato precise. É que será muito difícil escapar de déficits imensos e prolongados. Enquanto o setor privado procurar reduzir suas dívidas e a conta corrente estiver com déficit estrutural, os EUA precisarão ter grandes déficits fiscais de forma a sustentar o emprego pleno.
Isto leva ao terceiro ponto que os assessores de Obama precisam apresentar. Que manter déficits fiscais gigantescos por anos é, de fato possível. No entanto, os EUA apenas poderiam conseguir isso se a inadimplência estivesse fora de questão.
No fim das guerras napoleônicas, o Reino Unido tinha uma razão de dívida sobre o PIB de 270%. A proporção foi reduzida ao longo do de um século: crescimento, o padrão-ouro e o compromisso de orçamentos equilibrados conseguiram a proeza. A questão é até que volume de dívida os EUA (ou Reino Unido) podem acumular agora. Meu palpite é que os EUA poderiam aspirar a manter grandes déficits por anos se estes fossem usados para financiar a criação de ativos de alta qualidade. Esta política, entretanto, não poderia permanecer ilesa ao longo de uma presidência de dois mandatos.
Porém, ao contrário da crença generalizada nos EUA, um rápido retorno a pequenos déficits fiscais, alto emprego e rápido crescimento não ocorrerá de forma espontânea. Primeiro, será necessário fazer mudanças estruturais nas economias do EUA e mundiais. Este é último ponto que os assessores de Obama precisam sustentar.
Quais são, então, essas mudanças?
Primeiro, é preciso haver um programa crível para o que os americanos chamam de "desalavancagem". Os EUA não podem arcar com anos de uma redução dolorosa das dívidas do setor privado - um processo que ainda mal começou. A alternativa é pressionar por baixas contábeis de ativos de difícil recuperação no setor financeiro e mais iniciativas de recapitalização fiscal ou de trocas de dívida por patrimônio. Também significa a proteção maciça de donos insolventes de residências e baixas contábeis forçadas de hipotecas.
Tudo isso também levaria a aumentos isolados na dívida pública. Esses aumentos, contudo, provavelmente seriam muito menores do que os gerados por uma década de déficits fiscais gigantescos. O objetivo é ter um sistema financeiro melhor capitalizado e mais ágil e um balanço patrimonial do setor privado não financeiro mais sólido. O programa de auxílio a ativos problemáticos seria usado com esses fins. Precisará ser maior.
Segundo e mais importante, o déficit estrutural em conta corrente precisa diminuir. O setor privado dos EUA não está mais em condições de manter déficits financeiros imensos como forma de contrabalançar os déficits externos, que drenam demanda. O setor público pode fazê-lo por apenas poucos anos. No longo prazo, a economia mundial precisa ser reequilibrada de forma saudável e sustentável. Este é um tremendo desafio para a diplomacia econômica internacional. Também é um elemento essencial de uma política doméstica sólida.
Obama precisa ser completamente persuadido destes últimos pontos. Se os déficits fiscais estão para cair fortemente no médio prazo, como de fato precisam, o novo presidente precisa de programas eficientes para a desalavancagem do setor privado e para os ajustes e reformas mundiais. O destino dos EUA não pode ser determinado em isolamento. O que isso deveria significar será o assunto da coluna da próxima semana.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".