Título: Fim do crédito deixa químicas em apuros
Autor: Vieira , André
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2009, Empresas, p. B6

Quando de uma hora para outra os consumidores deixam de comprar carros, imóveis e bens duráveis e os preços caem rapidamente para um terço, é inevitável que surjam perdedores. Na indústria química mundial, as empresas que pisaram mais forte no acelerador nos últimos anos mantendo seu leque em produtos ligados à commodities e acumulando dívidas são as principais perdedoras. Marisa Cauduro/Valor

Pedro Wongtschowski, do grupo Ultra: "Quando a roda da fortuna travou, essas empresas foram pegas de surpresa numa condição extremamente adversa"

A LyondellBasell, maior fabricante de polipropileno, uma resina usada para produzir autopeças e embalagens, entrou no início deste mês com pedido de recuperação judicial envolvendo 78 empresas, incluindo suas operações nos EUA e participações na Europa. A medida foi tomada para evitar que os credores exigissem o pagamento da dívida, que chega a US$ 26 bilhões. Boa parte do endividamento foi causado pela compra alavancada da Lyondell pela Basell, que é controlada pelo russo naturalizado americano Len Blavatnik, da Access Industries.

A Ineos, que fez várias aquisições alavancadas para promover seu crescimento, pode ser a próxima vítima. Analistas avaliam que a empresa apressa-se a elaborar um plano de negócios para evitar default de sua dívida ou que seja obrigada a recorrer à recuperação judicial.

A queda do petróleo de quase US$ 150 para abaixo de US$ 40 foi um dos principais motivos para o governo do Kuait cancelar no fim do ano a joint venture de commodities, como polietileno, que faria com a Dow Chemical, maior companhia química dos EUA, de US$ 17 bilhões. A Dow esperava usar parte do dinheiro que receberia da estatal Petrochemical Industries para pagar a dívida contraída pela compra da Rohm & Haas, por US$ 15,3 bilhões - um prêmio de 74%. Em julho, quando anunciou a compra, a Dow justificou a importância do negócio como forma de concentrar em operações com maior lucratividade. Agora, corre o risco de perder o negócio, caso não consiga assumir novos compromissos em um mercado de crédito adverso.

"O novo cenário impactou severamente as empresas alavancadas, que vinham usando o crédito fácil e a alta do mercado acionário para promover aquisições de grande porte, pagando prêmios exorbitantes por ativos inflacionados, utilizando suas ações como moeda e dívida para financiar as operações", analisa Pedro Wongtschowski, presidente do grupo Ultra, que atua por meio da Oxiteno no setor de especialidades químicas na América Latina.

Segundo Wongtschowski, que também é autor do livro "Indústria Química: Risco e Oportunidades", a confiança na continuidade do ciclo de prosperidade e a crença da disponibilidade infinita de crédito levaram essas empresas a assumirem riscos cada vez maiores. "Quando a roda da fortuna travou, essas empresas foram pegas de surpresa, numa condição extremamente adversa, tendo que refinanciar suas dívidas num ambiente de crédito caro e escasso; de queda do mercado acionário e valor dos ativos; e de retração de demanda, em função da crise econômica."

Wongtschowski distingue a Ineos e Basell da Dow. Para ele, a Dow e companhias como Basf, Bayer e DuPont "buscam escala e foco em produtos de maior margem e conteúdo tecnológico." As outras, por sua vez, foram formadas com a união de ativos de commodities que pertenciam justamente às empresas tradicionais. "Estas enfrentarão dificuldades de sobrevivência em um ambiente de escassez de crédito e margens comprimidas", avalia.

No fim do ano passado, a consultoria CMAI estimava que a produção de eteno - a principal matéria-prima da indústria petroquímica - fosse crescer 4,6% e o propeno, 5,5% em 2009. Pouca gente avalia que essa projeção poderá ser mantida. Um executivo da LyondellBasell, que prefere manter-se no anonimato, dá a dimensão do tamanho do problema. O mercado de polipropileno movimenta cerca de 50 milhões de toneladas por ano. "Em caso de uma retração de demanda de 10%, isso significa 5 milhões de toneladas a menos fora do mercado ou 10 a 12 fábricas paradas no mundo", diz, indicando que as plantas menos competitivas serão as mais afetadas.

As empresas mais ligadas à commodities estão buscando fora da Europa e dos Estados Unidos suas novas fontes baratas de matérias-primas. "O Oriente Médio possui matéria-prima competitiva e tem uma estratégia de agregar valor principalmente ao gás, abundante e de baixo custo, através da produção de produtos petroquímicos", diz Wongtschowski.

Novos nomes no mundo da química têm surgido. É o caso da Sabic, que adquiriu a divisão de plásticos da GE e obtém em seu país de origem, a Arábia Saudita, boa parte do suprimento de suas matérias-primas baratas. A Reliance, da Índia, onde o mercado consumidor é atraente, é outra. "O momento é de redesenho da indústria química", diz o consultor da MaxiQuim, João Luiz Zuñeda. "Entre os 'top ten', vão surgir várias companhias que hoje estão na periferia do mundo." Ele avalia que se o Brasil souber fazer a lição de casa poderá se aproveitar da situação. "As empresas, como Braskem e Quattor, estão associadas à Petrobras, que busca explorar novos mercados."

Wongtschowski avalia que a indústria química não migrará para os países emergentes, porque o mercado se encontra nos EUA e Europa. "A base instalada nestas regiões se voltará para atender o mercado interno e produzir produtos de maior margem e conteúdo tecnológico", diz, lembrando que as fábricas de empresas problemáticas continuam operando, porém nas mãos de outro controlador. "As empresas saudáveis, que conhecem a natureza cíclica do setor químico, que se expandem com base nos seus pontos fortes - escala, tecnologia, proximidade com o cliente, ou seja, competitividade - e que mantém endividamento baixo vão muito bem, obrigado."