Título: A crise e as previsões
Autor: Netto , Antonio Delfim
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2009, Brasil, p. A2

O mundo está vivendo uma crise econômica com características especiais. No passado as "recessões", isto é, a redução do ritmo de crescimento da atividade econômica real foram, geralmente, produzidas por manobras deliberadas da política monetária para reduzir a velocidade de fornecimento do oxigênio (a expansão do crédito) que alimentava a atividade. Nas economias relativamente fechadas isso ocorre quando aumenta a taxa de inflação. Nas completamente abertas, quando amplia-se o déficit em conta corrente que acumula dívida externa insustentável. A manobra consiste em controlar o volume de crédito (com um aumento da taxa de juros) de forma a desestimular o aumento do consumo e do investimento e reduzir a demanda global (a do setor privado mais a do governo) ao nível da capacidade produtiva ou do crédito externo disponível. O sucesso da operação, ou seja a velocidade com que ela produz o equilíbrio entre a oferta e a procura globais reduzindo a taxa de inflação (e/ou o déficit em conta corrente) para o nível desejado, depende do conhecimento de como funciona o sistema econômico e da credibilidade da autoridade monetária. Trata-se, em geral, de uma operação extremamente delicada e socialmente custosa. Ela combina 1/5 de "ciência monetária" e 4/5 da "arte" de manipular as expectativas. É por isso que um Banco Central ágil, autônomo e crível é fundamental. Qualquer exagero pode desencadear uma crise que cobrará um alto preço em termos do PIB.

Nas recessões "corretivas" que conhecemos, a constrição de crédito (o famoso "credit crunch") é feita através do sistema financeiro que está a serviço da economia real. Ele deve ser: 1º ) um órgão auxiliar cumprindo o papel de lubrificante que facilita o melhor uso produtivo dos recursos disponíveis; e 2º ) subordinado a princípios de avaliação de crédito e alavancagem controlados pela autoridade monetária. A que estamos vivendo tem outra natureza. É resultado: 1º ) dos erros da política econômica que tentou corrigir a recessão de 2001 (política monetária laxista dos Bancos Centrais e política fiscal que estimulou o endividamento imobiliário descuidado); 2º ) do comportamento ousado do sistema financeiro que sob o nariz dos supostos controladores (os Bancos Centrais, as agências de risco e os auditores independentes) criou inovações sem controle (algumas boas e muitas incompreensíveis); e 3) da suposta pretensão dos "econofísicos" (da Economia Financeira) que haviam descoberto como precificar qualquer risco. Em uma palavra, ela é resultado da "autonomização" do sistema financeiro que se transformou no fim de si mesmo para obter lucros com "derivativos impalpáveis" que substituíram - enquanto durou a insensatez - os suados lucros produzidos pelo trabalho na economia real.

Nesta recessão não houve uma constrição do crédito produzida por uma manobra corretiva dos Bancos Centrais. Ele sofreu uma morte "súbita", gerada pela quebra de confiança entre todos os agentes (consumidores, produtores, investidores e instituições financeiras) que interrompeu o circuito econômico. Uma política monetária que forneça liquidez e uma política fiscal que difira o pagamento dos impostos e mantenha os investimentos do governo são condições necessárias, mas não suficientes para ressuscitá-lo. É preciso recriar a confiança, isto é, influir nas expectativas dos agentes para que eles usem a liquidez que lhes está sendo fornecida. É por isso que as "previsões" dos supostos portadores do futuro (os informantes do Boletim Focus, por exemplo) têm importância para o bem e para o mal. No dia 2 de janeiro de 2009 vemos as "previsões" para 2009: 1) crescimento do PIB, 2,4%; e 2) déficit em conta corrente, US$ 25 bilhões. Aceitemos que "prever é preciso". Todos temos de fazer "previsões". Não esqueçamos, entretanto, o fato desagradável que elas são para um "futuro", incerto e opaco, e não podem adivinhar como a política econômica reagirá diante dos acidentes do trajeto.

Afinal, que "precisão" tem tais números? Olhemos os últimos oito anos recolhendo as "previsões" do primeiro Boletim Focus de cada ano e comparando-as com o que aconteceu:

Nada brilhante! Levemos pois as "previsões" para 2009 com uma pitada de desconfiança. Afinal, Cícero nos ensinou que "toda adivinhação é feita de um pouquinho de erro e de superstição e muita enganação..."

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.

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