Título: Risco de depressão traz o medo aos sortudos nos países ricos
Autor: Rachman , Gideon
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2009, Especial, p. A12

Os sociólogos pop gostam de dividir as pessoas que nasceram depois de 1945 em grupos. Há os baby boomers, há a geração X, e podemos até mesmo estar na geração Y por agora. Eu acho que somos todos membros da geração S - ou seja, S de sortuda. Nós, que nascemos na Europa Ocidental ou nos EUA, nunca passamos realmente por tempos difíceis. Nossos pais e avós viveram guerras mundiais e a Grande Depressão. Nós tivemos décadas de paz e prosperidade.

E isso pode mudar? Talvez. A geração S teve o luxo de aproveitar um "feriado prolongado da história", que está chegando ao fim.

Não há dúvida de que as pessoas estão entrando em pânico. Estamos vendo tantas notícias negativas do mundo corporativo que o prefeito de Londres, Boris Johnson, reclamou: "Passar uma hora lendo o 'FT' é como ficar preso num quarto cheio de membros de um culto milenarista suicida". Uma pesquisa da CNN mostrou que 60% dos americanos esperam que a atual recessão vire uma depressão.

Se tivermos uma economia de época de depressão, teremos também políticos de época de depressão? Isso significaria novos partidos e ideologias extremistas, aumento do nacionalismo, crescente irrelevância das organizações internacionais, como a Liga das Nações e as Nações Unidas, e, finalmente, guerra.

Em meio a esse pessimismo, vale lembrar o quão distante estamos da Grande Depressão, quando o desemprego chegou a 25% nos EUA e a 20% no Reino Unido.

Mas a volta do desemprego em massa não é impossível. Em 2008, os EUA registraram a maior perda anual de empregos desde 1945. Imagine o impacto sobre a economia americana se a GM e a Ford realmente tivessem ido à falência.

Dizem que os políticos de hoje aprenderam as lições dos anos 30. Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, BC dos EUA), é um historiador da Grande Depressão e os economistas mais famosos acreditam que a economia fez grandes progressos desde os anos 30. Assim como os médicos de hoje, os economistas de hoje têm uma ampla gama de novas ferramentas disponíveis, as quais eram desconhecidas lá atrás. As doenças econômicas que já foram fatais agora podem ser tratadas com sucesso.

Essa é a teoria. Mas os economistas em sua maioria não conseguiram prever a escala da crise atual. Como eles não diagnosticaram a doença, há pouca confiança popular de que eles conheçam a cura. E se a economia estiver, agora, no mesmo nível em que a medicina estava quando os médicos ainda acreditavam na aplicação de sanguessugas. E se a economia tiver realmente feito grandes progressos, mas estejamos testemunhando o aparecimento de um novo vírus econômico para o qual ainda não tenhamos a cura, o H5N1 das crises econômicas?

Uma pergunta parecida se aplica aos políticos. Nosso conhecimento sobre o que deu errado nos anos 30 torna menos provável que cometamos os mesmo erros de novo?

Há alguns sinais preocupantes. No encontro do G-20 em novembro, todos os 20 governos prometeram solenemente evitar medidas protecionistas, as quais, acredita-se, teriam piorado a crise dos anos 30. Mesmo assim, dias depois de voltar de Washington, Índia e Rússia aprovaram novas tarifas. Uma lição dos anos 30 é que a cooperação internacional - tão necessária em uma crise financeira global - se desintegra numa depressão.

No passado, períodos de economias instáveis levaram sempre a novos movimentos políticos e sociais radicais. A única grande democracia a ter passado por uma eleição desde o colapso do Lehman Brothers em setembro foram os EUA, sendo que os americanos votaram por Barack Obama, um internacionalista liberal. Mas, nos últimos meses, temos visto protestos no extremo oriente da Rússia, no sul da China e na Grécia.

Há uma grande distância entre esses pequenos protestos e o aparecimento de tensões comerciais internacionais, nacionalismos exacerbados e a guerra, como nos anos 30. Para a minha geração, parece impensável que possamos voltar a uma época de conflito armado entre grandes potências mundiais.

Mas as gerações anteriores se sentiam do mesmo jeito. Em 1911, enquanto se dirigia ao fim de um longo período de paz e prosperidade, um eminente historiador, G.P. Gooch, escreveu: "Podemos olhar adiante confiantes de que a era de guerra entre nações civilizadas será considerada tão antiquada quanto a era dos duelos".

Alguns cientistas políticos contemporâneos têm visão parecida. John Mueller, um acadêmico americano, concluiu alguns anos atrás: "Dentro de poucos anos não deve haver guerra nenhuma, em nenhuma parte do mundo".

Com as bombas caindo sobre Gaza enquanto escrevo, essa conclusão parece um pouco prematura. Mas o otimismo contemporâneo em relação ao desaparecimento das guerras entre grandes potências mundiais pode ser mais sensível do que acabou se mostrando nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial. Já faz 60 anos desde que americanos e chineses se enfrentaram na Coréia.

O terrorismo não entrava na conta antes de 1914, mas também não havia um longo período de integração econômica e de aumento da riqueza.

Longos períodos de paz e prosperidade nem sempre são interessantes. Em meio a todo pessimismo econômico, acho que não sou o único a sentir esse calafrio, essa excitação de que talvez estejamos entrando em tempos incertos, históricos e interessantes.

Como disse Philip Larkin, um poeta britânico pessimista: "A vida primeiro é enfado. Depois é medo". Já tivemos o enfado. Agora é hora do medo.