Título: Por falta de opção, PT volta a seduzir
Autor: Nassif , Maria Inês
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2009, Política, p. A6

A crise financeira internacional pode colocar o Partido dos Trabalhadores (PT) diante de um novo paradoxo. A crise política enfrentada pela legenda em 2005 provocou importantes baixas, em especial de intelectuais - que lhe garantiam massa orgânica -, mas o PT conseguiu sobreviver quase sem perda eleitoral graças aos grupos que dominavam a máquina e a política tradicional. O P-SOL é um produto dessa cisão interna. Ocorreram outras defecções que não engrossaram tentativas de formar legendas mais densas à esquerda, mas que tiveram inegáveis repercussões negativas sobre a vida do PT. A relação com movimentos sociais e com a igreja católica progressista, que eram os tentáculos que lhe davam capilaridade, sofreu grande desgaste - que começou, aliás, antes do escândalo do mensalão, quando as demandas da base ideológica foram abortadas por uma política econômica ortodoxa conduzida em fina sintonia pelo então ministro Antonio Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

As eleições de 2006, que reconduziram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, marcaram uma pequena distensão, pelo menos do Palácio do Planalto, com esses setores. No segundo turno da eleição, não houve uma adesão à candidatura Lula com grande entusiasmo: apenas um voto contra o tucano Geraldo Alckmin (SP), cuja tradição conservadora acenava com uma política mais linha-dura contra os movimentos sociais do que a que já havia sido excessivamente rigorosa nos governos Fernando Henrique Cardoso. Lula, nesse caso, seria o "menor pior".

A saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda; o deslanche, de fato, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - que foi quase uma carta de compromisso de Lula de rompimento com a política econômica ortodoxa, embora tenha deixado rolar uma política financeira ortodoxa; e, por fim, as respostas do governo à crise que veio de fora, quando o país vivia um inédito momento de crescimento de consumo e emprego. Entre alguns intelectuais - uns que criticaram severamente o governo Lula; outros que se mantiveram afastados -, o desafio enfrentado pelo país agora tem restituído ao PT, ao menos na teoria, o status de único aparelho ideológico de esquerda capaz de movimentar um processo efetivo de mudança, um desenvolvimento capaz de mover o país em outra direção; e o partido com mais densidade para atrair os demais grupos de esquerda para esse projeto.

O sociólogo Francisco de Oliveira, um dos primeiros quadros intelectuais a criticar os rumos que o partido tomou no poder, deu uma entrevista à "Agência Carta Maior" dando centralidade ao PT como operador do que considerou um "aggiornamento histórico do desenvolvimento". Poderia exercer esse papel porque "é quem dispõe de massa e liderança, enquanto os demais agrupamentos socialistas constituiriam a ponta de lança instigadora do processo". O singular em sua análise é que, na hipótese de assumir o comando de um processo de desenvolvimento nacional - a exemplo do que Getúlio Vargas fez em 1930 - contariam a seu favor as deficiências que, no passado, levaram o próprio Oliveira a afastar-se dele. O sociólogo foi o primeiro a apontar para os efeitos nocivos do controle da máquina partidária pelos grupos oriundos do sindicalismo, e a detectar a formação de uma classe que ascendeu politicamente via sindicalismo e socialmente desprendeu-se da classe de origem, quando passou a responder pelo investimento de milionários fundos de pensão. Chamou os integrantes dessa classe de "ornitorrincos".

Diante da crise, no entanto, o partido se credenciaria exatamente por isso. "O PT tem a força sindical; a estrutura sindical tem todos os fundos de pensão sob o seu controle", afirmou, na "Carta Maior". A ousadia do PT seria canalizar os recursos dos fundos para investir pesado na economia. "Falo em criar algo como cinco Embraers por ano, acelerar o crescimento e dar um novo rumo à economia e à sociedade. Se um estancieiro gaúcho (Getúlio Vargas) fez isso em 1930, por que Dilma, que honestamente só conheço através da má vontade explícita da mídia, ou quem sabe um Gabrielli (presidente da Petrobras), não poderiam ser instrumentalizados para fazê-lo na crise atual?"

Para isso, no entanto, continua Oliveira, "seria preciso reinventar o PT; um PT com a ousadia de um Kubitschek e de um Vargas, para fazer por baixo o que eles fizeram por cima. Um arranque do desenvolvimento induzido pela base social para mudar a economia e a sociedade".

Politicamente, todavia, o PT teria que passar por mudanças radicais para cumprir um papel histórico semelhante ao exercido por Vargas. Nos arranjos internos pós-crise do mensalão, prevaleceram grupos e pessoas com domínio sobre a máquina. As negociações internas, em especial no PT paulista - que tem um grande peso nacional -, fortaleceram-se grupos muito mais afinados com a política tradicional do que ideologicamente comprometidos com o programa partidário. A luta pelo poder interno tem inibido lideranças novas, e no vácuo as antigas, a quem se atribui a cultura da máquina de fazer votos, vêm ampliando o seu poder. Não têm hegemonia, hoje, intelectuais orgânicos com liderança e capacidade de formulação para transformar o PT em algo mais do que um projeto de poder - num projeto de partido que tem liderança e substância para executar um projeto de grande mudança para o país.