Título: Brasil ajuda Bolívia ao cortar menos a compra de gás
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2009, Opinia, p. A8

Para Venezuela e Bolívia, a derrocada dos preços do petróleo é devastadora. Desde que tomou posse na presidência da Venezuela, em 1999, Hugo Chávez viu o preço do óleo aos poucos multiplicar-se por quinze, mas ele consumiu a maior montanha de receitas já depositada em mãos de um mandatário na história do país na criação de empresas estatais e concessão de subsídios em série para uma economia cada vez mais improdutiva e quase nada diversificada. Agora terá de adequar-se rapidamente ao emagrecimento das receitas e de sua popularidade. No caso de seu colega boliviano, Evo Morales, a situação é até mais delicada. O preço da maior riqueza boliviana, o gás natural, também está em queda livre, e há pouca coisa que Morales possa fazer a respeito. A fragilidade política do país continua alta e o presidente, ao contrário de Chávez, tem uma oposição articulada e ativa, à direita e à esquerda.

A queda do petróleo é um reflexo de outro danoso evento que se espalha por todas as economias da região: a forte e rápida desaceleração econômica. Dessa forma, a Bolívia está sofrendo um duplo golpe em seus cofres e o primeiro tende a ser mais duradouro e mais profundo que o segundo. O Brasil, o maior cliente do gás boliviano, pediu uma redução do consumo de 11 milhões de m³, de um total de 30 milhões de m³ que consumia até agora. O pedido deixou em pânico o governo boliviano, que até então vinha tratando o Brasil com ultimatos e tentando de todas as formas impor condições desvantajosas ao maior investidor do país, a Petrobras. No fim das contas, o corte foi menor, de 6 milhões de m³, até porque a Petrobras tem de pagar, use ou não use, o consumo mínimo de 24 milhões de m³ , de acordo com cláusulas contratuais. Como a média de consumo é estabelecida por períodos, em tese é possível consumir menos agora e mais depois, de forma que a média se mantenha constante, embora o desembolso seja menor por algum tempo.

A saída do governo foi a de conceder apoio político ao governo de Morales, reduzindo a redução planejada, o que vai custar R$ 26 milhões por semana aos consumidores brasileiros, como revelou o Valor em sua edição de ontem. Para gastar o gás que não mais precisa, porque os reservatórios de água estão bem acima dos níveis de segurança, serão mantidas em funcionamento três termelétricas, segundo orientação do Operador Nacional do Sistema.

Com o gesto de boa vontade, que livra a Petrobras e a Bolívia com o chapéu alheio, o governo brasileiro provavelmente pretende garantir o abastecimento de gás a longo prazo e evitar um baque ainda mais forte nas receitas fiscais bolivianas, diante de um desaquecimento econômico que tende a se agravar. Essa política de boa vizinhança já foi sucessivamente desrespeitada pelo governo vizinho, cujo marco político inaugural foi a invasão de instalações da Petrobras com tropas militares, para anunciar a nacionalização do petróleo. Além de afinidades ideológicas e boas doses de condescendência para com o país mais pobre da região, contaram razões geopolíticas. A Bolívia é a nação mais tumultuada da vizinhança e esteve perto de uma secessão e da ruptura institucional seguidas vezes no governo de Morales.

Por outro lado, a redução do consumo brasileiro parece inevitável. A economia está em desaceleração bastante rápida a partir de novembro e um dos sinais dela é a queda abrupta do consumo de gás em dezembro. Várias empresas pararam a produção e outras reduziram seu ritmo, cortando um quinto do consumo em apenas um mês - 5 milhões de m³, segundo dados preliminares da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado. O consumo de energia também recuou e ambos devem cair mais ainda, porque, pelas previsões correntes de mercado, o Brasil crescerá a menos da metade da velocidade que exibiu em 2008, estimada em 5,8%. A perspectiva é de sobra de gás. Para a Bolívia, a conta é pior. A cesta trimestral de óleos, na qual é baseada a fixação do preço, apresentará novas e fortes quedas em breve. O preço já caiu 30% de um trimestre para outro. O Brasil inevitavelmente comprará menos gás, mais barato. A Bolívia está em maus lençóis.