Título: Demarcação contínua de terra indígena já tem maioria dos votos do Supremo
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2008, Brasil, p. A2

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou, ontem, a favor da manutenção da demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Porém, eles impuseram várias condições à reserva, como a permissão para a entrada do Exército brasileiro, caso haja a necessidade de proteção da fronteira com a Guiana e a Venezuela. Valter Campanato/Abr

Carlos Alberto Direito: interesse público e de defesa nacional se sobrepõem ao usufruto sobre a terra indígena

O julgamento ainda não terminou, pois houve pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello, mas oito dos onze ministros votaram pela demarcação contínua e essa posição deve prevalecer. Com isso, o STF firmou entendimento favorável às demarcações de outras áreas no país. Segundo o IBGE, há 534 terras indígenas no Brasil, das quais 402 foram regularizadas. Elas representam 12,92% do território brasileiro. A área da Raposa Serra do Sol equivale ao Estado do Sergipe, ou a metade da Bélgica (1,7 milhão de hectares).

Formalmente, os ministros podem mudar de posição até que seja dado o último voto. Mas os que votaram até agora foram muito enfáticos na defesa da demarcação contínua e afastaram a hipótese de restringir os índios em áreas isoladas na reserva. "Devemos afastar a possibilidade de dividir as terras em ilhas", disse o ministro Ricardo Lewandowski. "Transformar as áreas em ilhas é uma velha idéia conservadora", atacou o ministro Eros Grau.

Pela maioria dos votos, os fazendeiros que iniciaram plantações de arroz nas áreas demarcadas em Roraima terão de se retirar do local. Os arrozeiros são responsáveis por 6% do PIB de Roraima e questionam a demarcação. Os índios ficarão nas terras, mas só poderão realizar as atividades econômicas de plantar, caçar e pescar. Eles não poderão explorar minerais, nem realizar atividades de garimpo.

A maioria dos ministros concluiu que integrantes do governo poderão entrar na reserva, caso seja preciso construir estradas para a defesa do país, redes de energia elétrica ou fazer estudos de análise do potencial energético e das riquezas minerais na região. Mas todos foram enfáticos ao ressaltar que os direitos dos índios às terras devem ser preservados. "Não basta o reconhecimento desta Corte aos direitos dos índios. É preciso que o Estado brasileiro se mobilize", disse a ministra Ellen Gracie.

O julgamento foi retomado, ontem, com o voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Ele havia pedido vista do processo em 27 de agosto, após o voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto, contrário à ação proposta pelos senadores de Roraima Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB) que pretendiam derrubar o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, que determinou a demarcação.

Direito impôs 18 condições à demarcação, como, por exemplo, a proibição da cobrança de tarifas e do arrendamento das terras pelos índios e a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área, independentemente de autorização da Funai. "O usufruto do índio sobre a terra indígena estará sujeito sempre a restrições toda vez que o interesse público e de defesa nacional estejam em jogo", justificou. Foi a partir do voto de Direito que os demais ministros discutiram as regras de demarcação contínua. Britto, que não havia imposto qualquer condição, elogiou as regras de Direito para a manutenção da demarcação. Na prática, a maioria dos ministros impôs condições novas ao decreto, mas manteve o cerne da demarcação, que é a concessão das terras às cinco etnias que habitam a reserva.

Após o voto de Direito, Marco Aurélio pediu vista alegando que o julgamento é de extrema importância, pois definirá a situação de terras indígenas em mais de 200 áreas no país. Houve um intervalo e, na volta, a maioria dos ministros concluiu que era preciso dar uma resposta rápida, pois há tensões em Roraima envolvendo a demarcação. Com isso, apenas Celso de Mello e o presidente do STF, Gilmar Mendes, optaram por esperar o voto de Marco Aurélio para concluir o julgamento.

Segundo Mendes, o STF está definindo "o quadro demarcatório" que vai vigorar no Brasil para terras indígenas. Para ele, os governos estaduais e municipais devem participar ativamente dos debates envolvendo futuras demarcações.