Título: Ilhas da discórdia
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 22/02/2010, Mundo, p. 14

Com a reserva de petróleo ameaçada, o Reino Unido começa a explorar o arquipélago. Decisão eleva tensão com a Argentina

Navio cargueiro britânico Thor Leader ancorado a 70km de Buenos Aires: argentinos bloquearam carregamento de tubulações para as Malvinas

A previsão de escassez no setor petrolífero para 2015 fez com que o Reino Unido aumentasse as apostas pela exploração do petróleo nas Ilhas Malvinas (Falkland) e comprasse uma briga com a Argentina, que disputa a soberania do território. Um relatório da Força-Tarefa da Indústria sobre o Pico de Petróleo e Segurança Energética, formada por seis companhias britânicas da área de energia, emitiu um alerta a respeito das necessidades do Reino Unido para evitar a falta de combustível fóssil ¿ o chamado ¿aperto do petróleo¿. De acordo com o estudo, ¿a falta de petróleo, insegurança e a volatilidade dos preços desestabilizarão a atividade socioeconômica e política dentro de cinco anos¿.

O relatório sugere que o governo acelere ¿a revolução verde¿, assim como planos de contingência para lidar com a ameaça de escassez do petróleo. ¿Os ministros devem levar este alerta com seriedade e diminuir o apetite por petróleo no Reino Unido ¿ porque as pessoas experimentarão os sintomas quando os poços secarem¿, comentou o diretor da organização não governamental Friends of the Earth, Andy Atkins. ¿Está claro, há algum tempo, que ações urgentes devem ser tomadas para evitar desperdício de energia e desenvolver fontes limpas, o que cortará emissões de carbono, aumentará a segurança energética e criará novos empregos e indústrias¿, diz Atkins.

O fato de o premiê britânico, Gordon Brown, adotar a promoção da energia limpa no país e nas discussões internacionais não lhe impediu de apoiar a exploração de petróleo nas Malvinas. ¿O governo reconhece a importância da indústria de petróleo e gás no Reino Unido para nossa economia e sua confiabilidade em assegurar a segurança energética do país¿, explicou à reportagem a chancelaria britânica, por meio de nota oficial. ¿Enquanto tentamos reduzir nossa dependência fóssil e fazemos a transição para uma economia com baixo uso de carbono, reconhecemos que será uma longa transição¿, admite o comunicado. ¿Nossas reservas de petróleo e gás continuarão a desempenhar um papel vital para suprir nossas necessidades energéticas nos anos vindouros¿, conclui o governo. Londres garante que a retomada da atividade petrolífera nas Malvinas tem fins econômicos e não políticos.

Plataforma A plataforma petroleira britânica Ocean Guardian começou ontem a operar nas Malvinas. Para moradores, a atividade poderia aumentar os recursos econômicos das ilhas. ¿Nossa economia baseia-se nas licenças para pesca e visitas de cruzeiros. Grupos de turistas felizes desembarcam regularmente nas ruas da(capital) Stanley, onde visitam fazendas, observam pinguins e gastam dólares nas nossas lojas de presentes¿, afirmou ao jornal britânico The Guardian a jornalista Lisa Watson, ex-editora-chefe do Penguin News ¿ o jornal das Ilhas Malvinas.

Segundo especialistas, a área ao redor das ilhas poderia ser fonte abundante de hidrocarbonetos, com uma estimativa de 60 bilhões de barris de petróleo cru. No entanto, o Reino Unido e a Argentina nunca concluíram o acordo para a exploração conjunta firmado em 1995. Os britânicos, porém, confiam que as relações próximas com os habitantes das Malvinas lhes garantiria a exportação do excedente das ilhas. ¿Se o petróleo for encontrado em quantidades comerciais, as decisões sobre sua extração e uso serão avaliadas em seu devido momento¿, disse ao Correio Jan Cheek, membro da Assembleia Legislativa das Ilhas Falkland. Cheek ressalta que o Reino Unido mantém a defesa e define a política externa da ilha, mas que os habitantes possuem ¿um autogoverno como território ultramarino do Reino Unido¿. Para o legislador, a independência nunca será uma proposta prática, ¿enquanto a Argentina persistir em sua reclamação¿.

O tema da disputa sobre a soberania das Malvinas é assunto diário de seus habitantes há dois séculos, mas as notícias sobre o decreto argentino que bloqueia o movimento de embarcações entre as ilhas e a América do Sul aumentaram a preocupação dos habitantes. ¿Estamos contentes com a perspectiva da exploração de petróleo, ainda que a Argentina considere isso uma provocação. Afinal, uma economia fortalecida nos ajudaria a enfrentar a intimidação, e os ilhotas estão ansiosos em pagar ao Reino Unido pela defesa¿, conclui a jornalista Lisa Watson.

Países evitam conflito armado wikimedia.org/Reprodução da internet Soldados britânicos com prisioneiros de guerra argentinos: derrota

Apesar de deputados conservadores britânicos terem aumentado o tom e pedido reforços militares nas Ilhas Malvinas, os governos argentino e britânico parecem ter optado pela via da negociação diplomática. Na sexta-feira, o vice-chanceler argentino, Victorio Taccetti, descartou a escolha por um conflito bélico para reaver as ilhas, mas ressaltou que a Argentina tentará ¿negociar a questão da soberania¿. O chanceler britânico, Chris Bryant, afirmou que não se pode perder de vista que ¿a Argentina e o Reino Unido são grandes parceiros¿, citando a cooperação para o desenvolvimento sustentável e contra a proliferação de armas nucleares.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, apesar de não estar diretamente envolvido no assunto, defendeu a devolução das Malvinas à Argentina. ¿Basta de impérios¿, reclamou. ¿Acaba o petróleo dos ingleses no Mar do Norte e não conseguem mais reservas. Andam desesperados¿, alfinetou na sexta-feira. No mesmo dia, o ex-vice-chanceler argentino Andrés Cisneros, em artigo publicado no jornal Clarín na sexta-feira defendeu que ¿a filosofia do tudo ou nada sempre termina em nada para o mais fraco¿.

O diplomata alerta que os argentinos poderão terminar sem o território das Malvinas e sem seus recursos do petróleo, enquanto têm a chance de negociar uma participação conjunta de exploração, como já fizeram com a pesca. Para Cisneros, é ¿a frustrante concepção da política externa que, eternos campeões morais, sempre nos indica a ficar com a razão, ainda que outros fiquem com as ilhas (Malvinas), as represas (de Itaipu) ou as indústrias papeleiras (no Uruguai) e no futuro, talvez todo nosso setor Antártico¿. (VV)

Para saber mais Ocupação, confronto e polêmica

O Comitê Especial de Descolonização da Organização das Nações Unidas (ONU), formado por 27 países, solicita anualmente aos governos implicados em controvérsias de soberania que encontrem uma solução pacífica. Na América Latina, o organismo promove reuniões sobre os casos de Porto Rico e das Ilhas Malvinas/Falkland. As Malvinas foram ocupadas em 1833 pelo Reino Unido. Em 1982, quando o regime dos generais fraquejava em Buenos Aires, o ditador Leopoldo Galtieri decidiu retomar o arquipélago à força, mas sofreu derrota humilhante. Durante a chamada Guerra das Malvinas, entre 2 de abril e 14 de junho daquele ano, morreram 649 argentinos e 258 britânicos. O número de prisioneiros deu o tom da falta de proporcionalidade: 11.313 soldados da Argentina contra 115 do Reino Unido. A pendência concentra-se hoje em dois princípios consagrados pela ONU: o da integridade territorial, defendido pela Argentina, e o da autodeterminação dos povos, defendido pelos kelpers, descendentes dos primeiros ocupantes britânicos.

¿Deveríamos focar nos problemas de hoje com soluções para o século 21 e não tentar esclarecer as complexidades do que ocorreu há 200 anos¿, disse a representante para as Ilhas Malvinas, Janet Robertson, em entrevista ao Correio, em 2008. Já o embaixador argentino nas Nações Unidas, Jorge Martín Arturo Arguello, disse à reportagem que, em 1833, quando o Reino Unido expulsou moradores argentinos das ilhas, fez com que hoje ¿exista uma situação colonial, mas não um povo colonizado¿. ¿Quando o Reino Unido reclama a autodeterminação aos habitantes britânicos das ilhas, não faz mais do que reclamar a autodeterminação para si mesmo, tentando perpetuar a situação colonial. Conceder a autodeterminação de seus próprios súditos implica na quebra da integridade territorial da República da Argentina¿, defendeu.