Título: Para analistas, inflação será menor em 2009
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Fonte: Valor Econômico, 23/12/2008, Brasil, p. A5

Entre as muitas incertezas no cenário desenhado para 2009, um indicador macroeconômico apresenta sinais menos confusos. Com a perspectiva de novas quedas nos preços das commodities e de depreciação do real mais fraca que a registrada nos últimos meses, economistas prevêem para o próximo ano uma taxa de inflação mais próxima do centro da meta de 4,5% estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e também a possibilidade de o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) ficar abaixo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

A desaceleração da demanda global provocou queda nos preços internacionais das commodities e seu impacto sobre a inflação brasileira foi observado com mais evidência em dezembro, quando o dólar subiu 1,94% (até o dia 19). O IPCA-15 registrou alta de 0,29% e o IGP-M segundo decêndio variou 0,05%. Para o próximo ano, dizem os economistas, a tendência é ainda de retração nos preços de commodities, sobretudo nas metálicas e de energia. As expectativas para o câmbio são de oscilações mais modestas, com o dólar situando-se entre R$ 2,20 e R$ 2,30 - em 2008 o dólar subiu 33,6% em relação ao real (até o dia 19), saindo de R$ 1,77 em janeiro para R$ 2,36.

"A queda dos preços internacionais ainda não foi totalmente absorvida pelo mercado interno. E as revisões para baixo do crescimento da China e da economia global devem causar quedas adicionais", avalia Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING. A economista também prevê menos volatilidade para o câmbio. Juntos, estes fatores contribuirão para uma inflação em preços industriais mais baixa. O banco projeta IGP-M de 5,5% e IPCA de 5% para 2009, com possibilidade de inflação um pouco mais alta no primeiro trimestre, quando houver reposição de estoques.

Zeina salienta que o grupo de bens duráveis ainda apresenta oferta de crédito limitado, o que pode dificultar uma explosão de demanda e, conseqüentemente, repasses de preços. "Semi-duráveis concorrem mais com importados e têm uma demanda resiliente. No caso desse grupo, o impacto do câmbio pode dar resistência ao movimento de redução das taxas de inflação", afirma Zeina, que prevê um dólar a R$ 2,10 no fim de 2009, pouco abaixo dos R$ 2,20 previstos para este ano. Com tal cenário, a economista estima para o grupo de semi-duráveis inflação de 6,3%, e para duráveis, de 4,5%.

Já o economista da Rosenberg & Associados Francis Kinder prevê para o próximo ano uma alta no IGP-M de 3,6% para um IPCA de 4,5%. A razão está também no Índice de Preços por Atacado (IPA), quem tem peso de 60% dentro do índice. "A queda das commodities impacta nos preços industriais e, com isso, a inflação do IPA deve ficar em torno de 3%, com possibilidade de deflação nos primeiros meses do ano", afirma.

O IPCA, diz, vai desacelerar em ritmo mais lento por conta da inflação de serviços e preços administrados, que terá alta de 5%, com reajustes nos preços de mensalidades escolares no primeiro trimestre, na energia elétrica - parte da energia de Itaipu é importada do Paraguai e sofre efeito do câmbio - , e em tarifas como de água e esgoto, que serão reajustadas com base no IGP-M de 2008, projetado entre 9,5% e 10%. A inflação no varejo será aliviada pelo desempenho do grupo alimentos, para o qual ele estima alta de 4% no ano. "A desvalorização do real frente ao dólar deve provocar algum reajuste em preços de eletroeletrônicos no varejo, mas o seu peso é pequeno dentro do IGP", acrescenta Kinder.

Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da SLW Asset Management, também projeta um IGP-M mais baixo, de 4%, contra 5,5% do IPCA. "Essa previsão contempla uma contaminação maior da queda das commodities no mercado externo na inflação brasileira", afirma. O economista prevê novas reduções de preço nas commodities metálicas e de energia, por conta do cenário global de desaquecimento econômico. Os preços dos alimentos, diz, também se retraem no exterior, mas o repasse pode não ser completo no Brasil tendo em vista as previsões de safra menor e o fato de muitos produtores já estarem vendendo a safra abaixo do custo de produção.

Em relação ao IPCA, Gomes também espera uma pressão mais forte em administrados. A projeção de 5,5%, diz, será revisada no primeiro trimestre, após verificar se as indústrias e o varejo, ao reporem estoques, reajustarão os preços. Ele também estima um câmbio menos volátil, em R$ 2,30.

Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), considera possível que o IGP-M tenha desempenho muito próximo ou mesmo inferior ao do IPCA em 2009, em função das commodities. "Ao longo dos próximos meses a desaceleração do IGP-M vai continuar. Quando o câmbio teve fortes oscilações não estava claro qual fator iria prevalecer. Mas agora ficou mais claro que a queda de preços das commodities vai compensar a desvalorização cambial, até porque já houve tempo suficiente de a depreciação do real exercer efeito sobre a inflação", avalia.

Ele observa que, nesta década, o IGP-M ficou abaixo do IPCA apenas em 2003 e 2005. Em ambos casos, a inflação do ano anterior havia sido influenciada por uma forte desvalorização cambial -- em 2002, no período da eleição presidencial devido às incertezas do mercado sobre a política econômica que seria adotada pelo governo Lula; em 2005, o balanço de pagamentos do país, superavitário, contribuiu para uma nova valorização do real.

Para os IPCs, Quadros prevê desaceleração mais lenta. "Muitos preços administrados são indexados ao IGP-M e se o reajuste for no começo do ano, ainda terão reajuste de dois dígitos". Ele também vê pouco risco de alta de preços com a reposição de estoques no primeiro trimestre. "Os insumos estão mais baratos. A maioria das commodities teve queda de 50% nos preços desde julho. Este é o novo patamar de preços dos insumos", observa.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, também considerou uma boa surpresa o efeito mais fraco do que o esperado da alta do dólar sobre a inflação, permitindo que o IPCA feche o ano com alta de 6% e o IGP-M, de 10%, segundo suas projeções. "O que tem pressionado os preços agora não tem a ver com o câmbio. Os produtos alimentícios sobem pela perda de algumas safras que sofreram com o clima, como as hortaliças. E os outros grupos estão com demanda mais fraca", afirma. Para Vale, mesmo que haja oscilações mais fortes do câmbio no começo do ano, elas não exercerão efeito significativo sobre a inflação.

A MB projeta para o IPCA alta de 5,2% em 2009, convergindo para 4,2% em 2010. Para o IGP-M, estimativa é de alta de 6,3%. Vale vê pouca possibilidade de fortes oscilações do câmbio no próximo ano. "Há um cenário de inflação baixa e crescimento pequeno no mundo todo. Não há elementos explosivos que justifiquem um impacto maior sobre o câmbio", diz. Diante desse cenário, ele aposta na redução da taxa básica de juros (Selic) para 10,75% até o fim de 2009. "A política monetária será feita com base na atividade econômica de 2009 e na expectativa de como estará a inflação em 2010", afirma. Para Vale, o risco inflacionário que se corre tem origem política. A proximidade das eleições para governadores e presidente em 2010 e a saída do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, podem oferecer instabilidade ao cenário de 2009.

Flávio Serrano, economista do BES Investimentos do Brasil, avalia que ainda não há clareza suficiente no cenário para garantir que o efeito do câmbio seja mais que compensado pela queda das commodities em 2009. "Os preços das commodities caíram rapidamente no exterior, mas a queda não foi totalmente repassada e não se sabe se ainda haverá mais repasses", diz. Outro fator que ainda não tem seu peso inflacionário precificado é a redução ou não dos preços dos combustíveis, observa Serrano.