Título: MPs e polêmicas com Supremo e Senado marcam gestão Chinaglia
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2008, Política, p. A8
As medidas provisórias continuam com destaque no balanço do que foi aprovado pelos deputados no último ano. Uma em cada quatro matérias aprovadas pela Câmara dos Deputados em 2008 é MP. O número, entretanto, foi reduzido em relação a 2007, quando elas representavam 42% de tudo o que foi votado pelos parlamentares. A atuação do Executivo no Legislativo também é registrada nos projetos discutidos no plenário: o governo federal encaminhou 40% dos projetos de lei aprovados pela Casa e 37,5% dos projetos de lei complementar. Alan Marques/Folha Imagem
Chinaglia: "Me incomoda quando eles legislam. Quando eles não julgam nós poderíamos, então, fazer justiça"
Três anos depois do escândalo do mensalão, a produtividade da Câmara melhorou, mas ainda é baixa. Em 2008, mais da metade das sessões tiveram a pauta trancada. No total da gestão do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), 39,7% das sessões tiveram a pauta livre para discussão e votações de projetos do Legislativo. A medida provisória é uma das principais responsáveis pelo trancamento de pauta.
Sem passar por nenhuma comissão que avalie se o caráter da MP é urgente ou relevante, como prevê a Constituição, são inúmeras as medidas enviadas pelo Executivo para abrir crédito extraordinário para áreas do governo federal. Outros casos poderiam ser enviados como projeto de lei, de que são exemplo as medidas provisórias que tratam de assuntos como a que autoriza o Executivo a constituir a Empresa Brasileira de Comunicações (ECT), a que trata da remuneração de militares da Polícia Militar e de Bombeiros do Distrito Federal, a que regulamenta o exercício de atividades de franquia fiscal ou a que proíbe a comercialização de bebidas em rodovias federais, além das que dispõem sobre a reestruturação do plano de carreiras e cargos de servidores públicos.
No fim de seus dois anos de gestão, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), destacou a aprovação da proposta de emenda constitucional que altera o rito de tramitação das medidas provisórias. Votada em primeiro turno, a PEC traz como principal mudança o fim do trancamento de pautas pelas MPs e encarrega as Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado de avaliarem se as MPs atendem aos requisitos de urgência e relevância. O presidente da Casa empenhou-se na aprovação, como forma de marcar sua gestão. A última alteração foi feita na gestão de Aécio Neves na presidência da Casa.
No balanço dos projetos aprovados neste ano pelos deputados, Arlindo Chinaglia destacou a Lei Seca e as cotas para negros nas universidades. "O endurecimento da Lei Seca, com tolerância zero de álcool para quem vai dirigir, foi proposto pelos deputados. E a criação de cotas é um dos temas mais difíceis de se pautar, mas, mesmo com divergências, conseguimos um acordo e o projeto seguiu para o Senado", comentou. O presidente da Câmara destacou também a restrição de celulares nas penitenciárias e a aprovação, recente, do projeto de videoconferências para detentos. "Não concordo com a tese de que aprovando leis se combate a violência. A impunidade não é por falta de leis, mas sim, muitas vezes, pela falta de aparelhamento do Estado", afirmou.
Chinaglia lamentou não ter conseguido avançar na votação da reforma tributária, das agências reguladoras e na votação em segundo turno da proposta de emenda constitucional que combate o trabalho escravo. "O que foi aprovado não contempla nem a mim", desabafou. "O ano de 2008 foi extremamente positivo, mas dentro de limites. Nesses dois últimos anos não ganhamos a luta por nocaute, mas sim por pontos", afirmou. Sob forte pressão de governadores e da oposição, a discussão da reforma tributária deve ser retomada só em março de 2009.
Ex-sindicalista, o presidente da Câmara colocou em votação o projeto de lei que reconhece as centrais sindicais. Aprovada em março, a nova lei permite que as centrais sindicais recebam parte das contribuições dos trabalhadores, além de reconhecê-las como entidades de representação dos trabalhadores. A versão final do projeto aprovado pela Câmara manteve o desconto automático da contribuição sindical nos salários dos trabalhadores, equivalente a um dia de salário por ano. Em dezembro, a Casa criou uma comissão especial para a redução da jornada de trabalho e deu a relatoria o ex-presidente da CUT, deputado Vicentinho (SP). Chinaglia também aprovou um projeto de sua autoria, que dá estabilidade empregatícia ao funcionário cuja esposa está grávida.
Com pressão do Ministério da Educação e dos sindicatos dos professores, a Câmara aprovou, em caráter conclusivo nas comissões, o piso nacional dos professores. Com a lei, ficou fixado o piso de R$ 950 em todo o país para professores do ensino público infantil, fundamental e médio. A medida gerou forte resistência nos Estados e cinco governadores ingressaram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o piso.
Na área trabalhista, a Câmara aprovou a ampliação da licença maternidade de quatro para seis meses, por meio de incentivo fiscal ao Programa Empresa Cidadã, que permite ao empresário descontar integralmente do Imposto de Renda devido o valor dos salários pagos durante os dois meses adicionais da licença. Foram modificadas as regras para aposentadoria do trabalhador rural, para facilitar a obtenção do benefício. A lei permite novas formas de comprovação do exercício de atividade rural e novas regras para contratação temporária para os trabalhadores rurais. Os deputados alteraram também as regras para estágio de estudantes e a nova lei prevê direitos aos estudantes, como férias, jornada de trabalho de no máximo seis horas, remuneração e auxílio transporte.
O lobby da indústria de armas atuou na modificação do Estatuto do Desarmamento, que foi modificado pela Câmara neste ano. Os deputados aprovaram o fim da data limite para quem possui arma entregá-la para o governo e receber indenização, e o fim da punibilidade pela posse irregular da arma.
No último ano, o presidente da Câmara fez um agrado aos deputados, ao obter mais recursos para a Câmara gastar nos gabinetes parlamentares. Foram arrecadados R$ 227 milhões com a venda da folha de pagamentos para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, com validade de cinco anos. O montante será usado para "reprogramar espaços físicos da Câmara" e dar mais espaço para as lideranças partidárias. A Câmara também reformou os apartamentos funcionais dos deputados e investiu dinheiro em um terço dos prédios em que os deputados moram.
O segundo ano de mandato de Chinaglia na Câmara foi marcado por enfrentamentos com o Judiciário e com o Senado. A relação entre o presidente da Casa e o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal desgastou-se com a discussão sobre a fidelidade partidária e a cassação de deputados que trocaram de partido. Na semana passada, depois de três meses de pressão do Judiciário, a Mesa Diretora da Câmara cassou, por unanimidade, o mandato do parlamentar Walter Brito Neto, que trocou de partido. O parlamentar só perdeu o cargo depois que foi julgado o último recurso e condenou Brito Neto. O Judiciário chegou a ameaçar condenar Chinaglia por crime eleitoral, caso não cassasse o deputado.
Ao fazer um balanço de sua gestão, Chinaglia criticou a interferência do Judiciário em decisões que deveriam ser dos parlamentares. Ele lembrou a época em que era presidente do Sindicato dos Médicos e disse que nem naquela época gostava de resolver problemas trabalhistas por meio do Judiciário. "Você abdica de sua tarefa assim", comentou. "Me incomoda quando eles legislam. Não deveriam legislar. Quando eles não julgam nós poderíamos, então, fazer justiça sob nossa própria ótica", questionou.
Além do embate com o Judiciário, a Câmara entrou em conflito com o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN). No último dia de trabalho dos deputados, a Mesa Diretora decidiu, também por unanimidade, não promulgar a PEC dos Vereadores, modificada no Senado. Ao rejeitar as alterações, Chinaglia disse que a única "má vontade" dos deputados era a de operar na penumbra. "Quis tirar a Câmara de uma situação em que ia ficar com pouca luz", disse, criticando indiretamente a atuação de senadores que votaram a favor do aumento dos gastos dos municípios, na madrugada de quarta para quinta-feira da semana passada.