Título: Discurso de posse vai pregar cultura da responsabilidade
Autor: Weisman , Laura Mecklere
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2009, Especial, p. A12

Barack Obama deve marcar a sua histórica cerimônia de posse como o 44º presidente dos Estados Unidos, que deve atrair milhões de pessoas a Washington, com uma convocação para que o país abrace uma nova cultura de responsabilidade. AP

Multidão se aglomera diante no National Mall, diante do Congresso dos EUA, onde ocorre hoje a cerimônia de posse do novo presidente, Barack Obama

Obama, de 47 anos, que se tornará o primeiro presidente afro-americano do país quando prestar o juramento, ao meio-dia (15h em Brasília), prepara um discurso que sirva como resposta a uma era de excessos que gerou a maior crise financeira desde a Grande Depressão americana nos anos 30, dizem assessores. A multidão presente à cerimônia pode ser a maior já reunida na história da capital americana. Milhões mais assistirão ao evento pela televisão em todo o país e no mundo, e há planos de instalar telões em praças públicas.

Obama fará o juramento com a mão sobre a Bíblia que pertenceu a Abraham Lincoln, último presidente americano oriundo de seu Estado, Illinois. Obama estará do lado oposto ao monumento do memorial de Lincoln, três quilômetros à frente, o mesmo lugar onde, 45 anos atrás, Martin Luther King Jr. convocou a nação a julgar seu povo pelo caráter, não pela cor da pele. Obama passou o dia de ontem celebrando o aniversário de Martin Luther King como um dia de trabalho comunitário, enquanto vendedores de rua vendiam lembranças com as imagens justapostas dos dois líderes negros.

Nenhuma decisão é esperada para hoje. O trabalho de fato do novo presidente deve começar amanhã, primeiro dia completo de Obama no cargo. Seus assessores disseram ontem que uma dos primeiros atos do novo presidente será convocar a equipe de segurança nacional e dar as ordens para a preparação da retirada das forças do Iraque em 16 meses, cumprindo uma das principais promessas da campanha presidencial de dois anos.

Esta é apenas uma das novas políticas que simbolizam a mudança quando Washington sai de oito anos de governo republicano, sob o comando de George W. Bush, para uma nova administração democrata. A expectativa também é que, em poucos dias, Obama assine ordens executivas e decretos que determinem o início do processo de fechamento da prisão de Guantánamo, em Cuba, um dos símbolos mais controvertidos da guerra de Bush contra o terrorismo; reverta as restrições de Bush em financiamento federal para pesquisa de células-tronco; e restaure o financiamento de programas de planejamento familiar no exterior.

Na frente econômica, o governo Obama provavelmente vai baixar novas regras logo para forçar os destinatários dos fundos de socorro do governo a dar maior transparência quanto ao uso dos recursos, explicou um assessor. As instituições financeiras com maiores dificuldades não seriam forçadas a emprestar imediatamente, mas os bancos mais saudáveis vão sentir muito mais pressão para tirar o dinheiro público de seus cofres e colocá-lo na economia. "Transparência vai fazer uma grande diferença", disse o assessor.

O fim de semana carregado de eventos e cerimônias vai culminar no que pode ser a maior celebração de posse de um presidente da história americana, com funcionários do governo prevendo que pelo menos 2 milhões de pessoas vão lotar a esplanada perto do Capitólio. O evento certamente estará entre as maiores concentrações públicas de Washington, equivalendo ou até mesmo superando a Marcha para Washington liderada por Martin Luther King em 1963, a posse de Lyndon Johnson, em 1965, e os protestos contra a guerra do Vietnã no fim da década de 60.

Telas gigantescas foram colocadas para exibir o evento em longo da grande praça gramada. Os presentes, muitos dos quais vieram dos mais diferentes pontos do país, foram aconselhados a se agasalhar bem, já que a previsão é de temperatura perto de zero e neve.

A esplanada, conhecida como Mall, já estava lotada ontem à tarde, com ônibus engarrafados no trânsito e turistas fazendo pose para fotos na frente do Capitólio. Os visitantes enfrentaram inúmeras barreiras de controle de multidões e passaram por dezenas de vendedores oferecendo desde pulseiras a camisetas de manga comprida e uma edição especial da revista em quadrinhos "Homem-Aranha" com Obama na capa.

"Se você é negro americano, esta é a inspiração de que precisa - um presidente negro!", disse David Reed, 39, americano negro de Lexington, Kentucky, que vende os quadrinhos. Ele abriu os braços e disse: "Eu estou feliz por estar aqui agora".

Britt Loudd, de Charlotte, na Carolina do Norte, caminhava com a família pelo centro de Washington, e dois dos filhos usavam chapéus com o nome de Obama. Loudd, organizadora da campanha em seu distrito, disse que só ela fez mais de 2.200 telefonemas durante a campanha. Os três filhos, ao seu lado, também foram voluntários. "Não havia escolha", disse ela.

Como um dos primeiros eventos, Obama enfatizou a data de homenagem a Martin Luther King pintando uma abrigo de meninos de rua, saudando voluntários que atendem a soldados americanos e repetindo a mensagem que vai ler no seu juramento: chegou a hora de uma nova unidade nacional depois de anos de amarga divisão partidária, uma nova cultura de serviço público.

"Diante da crise que enfrentamos e as dificuldades vividas por tanta gente, não podemos nos permitir a ficar com as mãos desocupadas", disse Obama ontem, tomando fôlego durante a pintura de uma dormitório da Saha Bruce House, um abrigo para adolescentes de rua. "Todos precisam estar envolvidos. Todos vão ter de contribuir, e acho que o povo americano está pronto para isso."

Cidades e famílias de todo o país planejaram seus próprios eventos. Organizadores do Festival de Cinema Sundance, em Park City, no Estado de Utah, vão projetar a cerimônia de inauguração em grandes telas na rua principal. As cerimônias vão ser transmitidas ao vivo no Victory Park, em Dallas.

Na capital, Washington, Obama vai começar o primeiro dia com um café na Casa Branca com Bush. O juramento será seguido por um almoço no Congresso e uma parada de bandas de estudantes do segundo grau. À noite, as comemorações serão encerradas com dez bailes inaugurais e um número incontável de festas não oficiais.

Na cerimônia de juramento, estarão sentados atrás de Obama as pessoas indicadas para seu gabinete, inclusive Hillary Rodham Clinton, que deve ser confirmada pelo Senado, no fim da tarde de hoje, como secretária de Estado. Também se sentará atrás de Obama o candidato derrotado na eleição presidencial, o senador republicano do Arizona John McCain.

O presidente do supremo tribunal dos EUA, John Roberts, vai presidir o juramento de Obama e, em seguida, o ministro John Paul Stevens, outro membro do tribunal, presidirá o juramento do vice-presidente, Joe Biden.

Bush também estará na cerimônia, partindo imediatamente depois para o Texas, onde vai começar um novo capítulo da vida como ex-presidente.

Antes de Obama discursar, o pastor evangélico Rick Warren fará uma oração, uma escolha que enfureceu ativistas dos direitos dos homossexuais e muitos outros mas indicou o interesse do novo presidente em conquistar os americanos que não integram sua base política.

Durante sua campanha, Obama enfatizou que o país deveria ter se unido em torno de uma causa maior após os atentados de 11 de setembro de 2001, mas em vez disso se voltou para a complacência e o consumismo. Uma de suas primeiras promessas foi criar um plano de US$ 3,5 bilhões para expandir até 2011 o programa de voluntariado AmeriCorps, criado pelo presidente Bill Clinton, para 250.000 vagas, o dobro do tamanho do tradicional programa de assistência e voluntariado internacional Peace Corps, expandir o corpo diplomático e criar um grupo de voluntários para realizar projetos de energia renovável e remediação ambiental.

Ontem, nas aparições em público, Obama voltou a tocar nos temas de unidade e independência pessoal.

"Estou fazendo uma promessa para você, como novo presidente, de que vamos colocar o governo para funcionar", disse a voluntários na Escola Média Calvin Coolidge, de Washington. "Mas não posso fazer isso sozinho. Michele (sua esposa) não pode fazer isso sozinha. Há um limite para o que o governo pode fazer (...) Se ficarmos esperando que alguém faça alguma coisa, as coisas nunca são feitas."

(Colaborou T.W. Farnam)