Título: Para empresários, acordos ficaram mais difíceis
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2009, Brasil, p. A5

A crise global deve dificultar ainda mais os acordos de livre comércio, multilaterais ou bilaterais, entre o Brasil e seus parceiros, avaliam especialistas do setor privado. Negociadores da agricultura e da indústria duvidam que 2009 vai gerar resultados melhores que os magros tratados selados pelo país nos últimos anos. Para os empresários, o livre comércio é um remédio eficaz contra a crise econômica na teoria, porque, na prática, os países estarão com medo. Davilym Dourado/valor

André Nassar, diretor do Icone: com os baixos preços das commodities, 2009 será complicado para setor agrícola

"É difícil liberalizar qualquer mercado enquanto as pessoas gritam por protecionismo", reconheceu Matheus Zanella, assessor de comércio exterior da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O setor agrícola seria um dos mais favorecidos por acordos de livre comércio. "Não é em 2009 que as coisas vão acontecer", concordou Mário Marconini, diretor de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Segundo André Nassar, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), "think-tank" financiado por associações agrícolas, negociações dificilmente são seladas em momentos de crise. Na sua avaliação, o governo brasileiro deveria definir metas para a política comercial e apostar em medidas de curto prazo, como crédito para os exportadores, vigilância sanitária e promoção comercial.

Para ele, 2009 será um ano complicado para o setor agrícola, porque os preços das commodities estão baixos. Com cotações menores, altas tarifas de importação e subsídios pesam mais para o agricultor. "Os altíssimos preços recentes compensavam qualquer barreira", disse Nassar. Ele alerta ainda que os emergentes, que responderam pela maior parte do incremento do comércio agrícola, tornaram-se mais protecionistas.

Nassar não descarta a possibilidade de que os países finalmente selem a Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), em 2009. "Não é otimismo, mas acúmulo de pontos já negociados." O problema, segundo ele, é que o acordo será restrito e não vai solucionar as dificuldades do setor agrícola em 2009. "Não será suficiente e o Brasil terá que investir em acordos bilaterais", disse.

"Doha não deve ser abandonada, porque já avançamos muito, mas o governo tem que se preparar para os bilaterais", concordou Zanella, da CNA. Ele afirmou que estão na lista de prioridades do setor agrícola acordos com China, União Européia e outros países da Ásia, mas reconheceu que as chances de sucesso em um acerto com os chineses são mínimas, por conta da forte resistência da indústria brasileira. O especialista não demonstrou otimismo para acordos bilaterais. "Os lobbies privados vão se articular por causa da crise, apesar do discurso dos governos."

A indústria é ainda mais cautelosa que o setor agrícola. Segundo Marconini, da Fiesp, a entidade vai aproveitar 2009 para preparar sua estratégia comercial, detalhando as prioridades. Ele avaliou que as negociações serão retomadas com vigor apenas em 2010, quando a crise estiver superada. "A tendência em todos os países é que empresários se concentrem em preservar o seu mercado interno."

Marconini avaliou que o governo deveria se dedicar neste ano a acordos mais limitados, envolvendo apenas alguns setores. Ele afirmou que o foco da indústria brasileira é a América Latina, principalmente incrementar o acordo de preferências tarifárias com o México. "Este é um acordo que o empresariado brasileiro gostaria muito", disse. Para o especialista, também é urgente revisar os acordos com Peru e Colômbia, países que concederam condições mais vantajosas aos Estados Unidos do que ao Brasil em acordos bilaterais.

Para Lúcia Maduro, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Rodada Doha dificilmente será concluída este ano. Ela ressaltou que o lobby do setor privado dos EUA por abertura da indústria está muito intenso e elogiou o governo brasileiro por resistir às pressões. Segundo a especialista, a estratégia acertada é investir na abertura dos mercados da América Latina, já que os desenvolvidos passam por dificuldades.

O presidente da Associação Nacional de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, disse que o Brasil deveria investir em acordos bilaterais este ano, que são menos arriscados. Na sua opinião, é preciso aguardar o desenrolar da crise antes de avançar nas negociações da OMC. "Em um momento de incerteza, é melhor esperar para dizer se Doha é oportunidade ou risco." Com tarifa de importação de 35%, o setor automotivo é um dos mais protegidos.

Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), acha que é muito difícil que os países cheguem a um acordo sobre Doha e que o Brasil deveria perseguir acordos bilaterais ou até acertos mais limitados de preferências parciais. Ele disse que o protecionismo vai aumentar por conta da crise. "Sempre ouvimos que a abertura da economia é o melhor caminho para superar a crise. Mas exigir isso dos empresários neste momento é pouco natural."