Título: Com crescimento menor, vai sobrar energia em 2009
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2009, Brasil, p. A3

A desaceleração brusca da economia mundial vai aumentar o conforto que já se desenhava para o mercado de energia elétrica em 2009. A combinação de crescimento mais moderado da demanda, tempo chuvoso e a herança benéfica do gerenciamento de estoque de água feito ao longo de 2008 vão garantir sobra de energia no país este ano, segundo estimativas oficiais e de especialistas do setor. E a tranqüilidade deve durar mais alguns anos, mesmo diante de um quadro desfavorável pelo lado da oferta. Leo Pinheiro / Valor

Hermes Chipp, do ONS: sobra ocorre por causa das chuvas e mudança no gerenciamento de estoque nas hidrelétricas

A Empresa de Planejamento Energético (EPE) revisou de 5,8% para 5,2% a previsão da alta da demanda por energia em 2009 por conta da crise financeira, e a conseqüente desaceleração da produção industrial deu maior tranqüilidade ao planejamento do setor. Esse cálculo ainda contempla uma alta de 4% no Produto Interno Bruto (PIB) e por isso ainda é considerado superestimado por alguns analistas.

Na área de energia elétrica, o governo, mesmo antes da crise, já previa folga. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) calculou, em setembro, sobra de 900 megawatts, equivalente a uma vez e meia a capacidade de geração da usina nuclear de Angra 1, no Sistema Elétrico Interligado Nacional (SIN). "Só não digo que para 2009 o risco (de apagão) é zero, porque tecnicamente não existe risco zero", disse ao Valor o presidente do ONS, Hermes Chipp.

As contas da EPE apontam para uma "folga" em 2009 de apenas 204 MW. O número é menor, porque, ao contrário do ONS, ela não contabiliza energia proveniente de biomassa contratada no leilão de energia de reserva, que é comprada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) diretamente, sem passar pelo SIN.

Nos próximos quatro anos, a carga de energia elétrica - consumo mais perdas - crescerá em ritmo maior que a capacidade instalada de geração. Enquanto a demanda por energia crescerá perto de 23% (dentro da estimativa de consumo menor), a oferta aumentará 10% até 2012. Nos últimos dez anos, o movimento foi diferente. A capacidade instalada de geração cresceu 58,3%, percentual maior que a evolução da carga (36,8%).

De acordo com a revisão da EPE, a sobra de 204 MW médios de geração em relação à demanda em 2009 considera uma oferta total de 56 mil MW médios. Se for considerado todo o período até 2012, a redução da expectativa de consumo em relação à perspectiva anterior é de 854 MW médios, o que equivale a mil MW de potência a menos para ser gerada, dentro de uma expectativa de 16 mil MW médios de oferta.

Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, diz, porém, que isso não significa que o governo pode relaxar em relação a novos projetos de geração. "O cronograma de leilões está mantido." Este ano serão realizados leilões para entrada da energia em 2012 (A-3) e para início de fornecimento em 2014 (A-5). Também haverá um leilão de energia eólica.

Segundo Tolmasquim, mais importante do que acompanhar a capacidade instalada é ver o quanto realmente será possível gerar. Isso porque 70% da matriz energética brasileira é de fonte hídrica, e dependendo do comportamento das chuvas, cada usina pode gerar uma quantidade de energia, o que faz variar de período para período a oferta do recurso do país. Essa característica faz com que hoje o Brasil possua um total de 102 mil MW de potência instalada, mas possa gerar efetivamente 54 mil MW médios.

"Nossa oferta de energia depende da disponibilidade do combustível, ou seja, de água nos reservatórios. Sabe-se que, em 2009, a hidrologia é favorável, as chuvas virão com força no período úmido, mas isso tem que ser avaliado ano a ano", diz o presidente da EPE.

Para chegar a um número próximo ao que as usinas hidrelétricas produzirão de energia nos próximos anos, e dessa forma, estimar o quanto o país terá de oferta, a EPE calculou qual é o fornecimento médio de energia de cada hidrelétrica, considerando como oferta apenas aquilo com 95% de segurança de disponibilidade. Dessa forma, a projeção é que a oferta crescerá 23% de 2009 a 2013, enquanto a carga aumentará 21%.

A segurança sobre a geração para 2009 existe porque o ano começará com o nível dos reservatórios dentro da meta estabelecida pelo ONS no começo de 2008, de 53% para os reservatórios do Sudeste e de 35% para os do Nordeste. Até novembro do ano passado, chegou-se a 50% no Sudeste e 36% no Nordeste. Segundo Chipp, do ONS, o nível-meta para o fim de 2009 deve ser definido entre fevereiro e março, e deve ficar entre 45% e 50% para os reservatórios do Sudeste.

Para alcançar a próxima meta, Chipp diz que a opção continuará sendo pela segurança, o que permitirá despachar usinas fora da ordem de mérito, o que significa colocar em funcionamento usinas mais caras para poupar reservatórios. "O custo da insegurança seria mais elevado", diz. Em fevereiro de 2008, sem trabalhar com esse sistema de metas, o ONS revelou risco de déficit de energia de 32% por conta do desabastecimento dos reservatórios.

O presidente do ONS, diz, no entanto, que o acionamento de térmicas em 2009 deve ser mais barato que em 2008, por conta da perspectiva de aumento da oferta de gás. "Será possível acionar mais térmicas a gás, que são mais baratas, com a entrada da oferta do gás de Pecém e da Baía da Guanabara."

O presidente do ONS atribuiu a sobra de energia elétrica em 2009 à mudança no regime de gerenciamento do estoque de água nas hidrelétricas e às chuvas. E mesmo que a crise não tenha efeitos tão danosos no Brasil, a desaceleração provocada pela crise deu maior densidade a esse colchão de segurança energético, diz Chipp.

O Instituto Acende Brasil, entidade do setor privado, também já não conta com risco de racionamento este ano. Na mais recente edição do relatório "Programa Energia Transparente", são apresentados dois modelos para o mercado de energia, considerando diferentes cenários para o crescimento da demanda e da oferta.

No pior cenário, foi considerado crescimento econômico de 3,2% (média das previsões elaboradas pelo boletim Focus, do Banco Central) e atraso de 20% nas obras de termelétricas a óleo. Mesmo assim, o crescimento do consumo de energia para o período 2009-2012 foi estimado em 4,3% pela instituição.

Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), lembra que já há um consenso entre alguns bancos de que haverá crescimento de 2,5% da economia em 2009. "E o consumo de energia deve crescer menos que esses 2,5%", ressalta Pires.

Tolmasquim, da EPE, reforçou que qualquer redução da demanda não reduzirá os esforços do governo para manter o cronograma das obras em andamento, sejam hidrelétricas ou térmicas. A EPE também projeta "folga" de 1.268 MW médios de energia em 2011, mesmo depois de retirados os 611 MW de energia das seis usinas da Cibe Participações. A empresa participou do último leilão de A-3, mas não conseguiu financiamento para depositar as garantias adicionais exigidas pela Aneel, que não concedeu mais prazo. Segundo Tolmasquim, como há sobra em 2011 (quando as usinas da Cibe deveriam entrar em operação), não há problema de suprimento imediato. Para 2012, quando a folga prevista é menor, de 400 MW, serão contratadas usinas no leilão de correção deste ano.

Tolmasquim conta com o fato de várias grandes usinas em construção - Estreito, São Salvador, Dardanelos, Jirau e Santo Antonio, as últimas duas no Rio Madeira - estarem previstas para entrar em operação antes do prazo, contando com a possibilidade de vender energia no mercado livre antes de começar a valer o contrato para os consumidores cativos. Assim, ele se diz confortável com a situação, sem descuidar da oferta futura.

A EPE espera leiloar em outubro de 2009 a concessão para construção da usina de Belo Monte, no Rio Xingu, com 11.282 MW de capacidade instalada. Segundo Tolmasquim, o número de grupos interessados na usina, até agora, tem sido enorme. "É muito mais do que os interessados nas usinas do Madeira. Belo Monte será uma usina grande e com preço muito bom", diz o presidente da EPE.