Título: Copom ignora mudança de cenário e mantém juro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2008, Opinião, p. A12
O Comitê de Política Monetária manteve a taxa básica de juros em 13,75%, numa demonstração de vigoroso otimismo em relação ao futuro. O Banco Central ainda acredita que a inflação, provocada por demanda exuberante, é ameaça séria a curto prazo. A decisão veio na véspera de o governo, com expectativas diametralmente opostas, anunciar medidas com o objetivo de incentivar a demanda, que em vários setores dá sinais de exaustão.
Os perigos listados na ata de outubro do Copom aparentemente continuam habitando corações e mentes dos membros do comitê, que decidiu unanimemente pela manutenção dos juros. A ata aponta alta da inflação em outubro, com o agravante de ser acompanhada de forte desvalorização do real. Só que todos os índices de preços caíram depois, ainda que a pressão sobre o real não tenha se arrefecido. O BC temia, pela ata, repasses mais intensos do câmbio aos preços. A julgar pela última reunião, o temor ainda existe e ele pressupõe uma demanda ainda robusta a sancionar aumentos. O BC parece estar fazendo justamente o que sempre imputou a seus críticos : olha pelo retrovisor para avaliar o futuro.
Empresas estão antecipando férias coletivas para se livrar de estoques e garantir liquidez. O festival de liquidações no varejo às vésperas de sua maior temporada de vendas, o Natal, não só é inusual como revelador da mudança súbita do ambiente de negócios. A derrocada das commodities, em magnitude mais ou menos semelhante à desvalorização cambial, jogou por terra outro fator relevante de elevação de preços.
Um fantasma que assombrou o Copom, a produção insuficiente para atender à demanda, cedeu na vida real espaço à percepção de repentino excesso de capacidade, visível nas interrupções de produção de vários setores e nos cadentes índices de confiança dos empresários.
Na ata de outubro, o Copom apontava o "forte dinamismo na geração de vagas do setor formal", aquecimento do mercado de trabalho e significativo aumento do rendimento médio real. Os números do IBGE mostraram início da redução das folhas de pagamento e das contratações em outubro. As demissões, que começaram em setores como o metalúrgico, de autopeças e construção, eliminarão renda e emprego, fatores potenciais de sustentação da inflação. E a demanda por crédito tende a desacelerar diante do risco de desemprego.
Na ata, o item 21 é vital à compreensão dos destinos da política monetária. A ata acertou ao prever que, com a crise, "a contribuição do crédito para sustentação da demanda doméstica pode arrefecer de forma mais intensa do que o que seria determinado exclusivamente pelos efeitos da política monetária". Com o efeito negativo sobre a confiança dos consumidores, "o dinamismo da atividade passaria a depender crescentemente da expansão da massa salarial real" e dos gastos públicos. A conclusão agora deveria ser a de que esse fator de dinamismo perde força rapidamente. Em outubro, o Copom dizia que as perspectivas ficaram "mais incertas", mas para os trabalhadores a incerteza é com relação a seu emprego e renda e os empresários, com suas vendas e produção. Na verdade, grande incerteza paira sobre os diagnósticos do próprio Copom. O receio quanto à inflação brasileira tornou-se tão peculiar quanto a jabuticaba. A demanda desabou quase que sincronizadamente na China, Rússia, Índia e demais emergentes, para não falar no mundo rico, mas para o Brasil manter juros tão altos, só mesmo se por aqui ela tem um misterioso vigor e, enquanto os preços desabam em uma onda global - até na China, que cresce a 9% -, no Brasil eles projetam-se para cima.
Neste contexto, a política monetária tende a ser exótica, com juros muito altos em fases de grande prosperidade e muito altos também diante de uma crise global de proporções gigantescas. Os principais BCs do mundo cortaram juros agressivamente e já temem o perigo deflacionário. O Copom ainda teme um surto inflacionário - alguns centésimos acima de 4,5%. O comunicado ao fim do encontro do Copom menciona que discutiu-se a possibilidade de reduzir a taxa de juros "já nesta reunião" e que a decisão foi de "ainda" mantê-la. Analistas acham que nessa linguagem esotérica o BC quis dizer que irá cortar os juros na próxima reunião - se até lá estiver convencido de que os ventos podem estar mudando também por aqui.