Título: Saída de relator dificulta lei das agências
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Fonte: Valor Econômico, 05/01/2009, Política, p. A8
O relator do projeto que regulamenta as agências reguladoras, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), foi convidado para assumir a Secretaria de Habitação do governo de Sérgio Cabral Filho (RJ) e deve licenciar-se do mandato de deputado federal. A licença do deputado pode comprometer sua aprovação nesta legislatura, mas o deputado minimiza os riscos à sua tramitação.
O projeto foi enviado pelo Palácio do Planalto ao Congresso em 2004. O substitutivo de Picciani está pronto para ser votado no plenário e, caso sofra alguma emenda, terá que voltar para as comissões e um novo relator precisa ser nomeado. "Nesse caso, acredito que será um relator familiarizado com o tema e as discussões feitas até o momento", declarou o pemedebista.
Se politicamente a saída de Picciani pode alterar pouco a tramitação do projeto, um elemento crucial poderá tornar-se um obstáculo maior ainda: em fevereiro, a Casa elegerá uma nova Mesa Diretora e, pelas regras regimentais, cabe ao presidente da Casa definir quais assuntos entram ou não na pauta de votações.
Governo e oposição reconhecem que as agências reguladoras estão fragilizadas, sem condições plenas de exercer a tarefa de fiscalização e regulação. Em conversa recente com interlocutores próximos, a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, afirmou temer que essa fragilidade torne as agências reféns do setor privado, cerceando a independência para agir. Já os representantes das agências acreditam que o problema esteja no contingenciamento dos recursos, impedindo uma fiscalização mais contundente dos setores nos quais atuam.
O subchefe da Casa Civil, Luiz Alberto Santos, um dos maiores defensores do texto que tramita na Câmara, esperava que ele pudesse ter sido incluído ainda neste ano. Mas um líder governista admitiu, desiludido: "Essa idéia nem foi listada entre as sugestões de pauta. Não podemos dizer que o clima é de fim de feira porque, nesses casos, ainda sobra uma xepa, algo aproveitável", afirmou o aliado.
Sem opções, Luiz Alberto joga suas esperanças neste ano. Acredita que três pontos poderão dar um novo fôlego ao debate: além do projeto do Picciani, a possível votação em segundo turno, no Senado, de uma emenda constitucional de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) definindo o papel das agências. E o término de uma série de pesquisas, financiadas pelo BID, para mensurar o papel das agências e a relação de custo-benefício na regulação dos diversos setores. "Toda vez que você cria uma regulação, isso implica custos no dia-a-dia dos consumidores", explicou.
Santos lembrou ainda que, no início deste ano, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) analisou quatro setores regulados no Brasil: telecomunicações (Anatel), Transportes Terrestres (ANTT), Saúde Suplementar (ANSS) e Energia (Aneel). "Essa pesquisa mostrou que nossas agências são as melhores da América Latina, mas ainda estamos atrás das agências da União Européia", disse o presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), Wanderlino Teixeira de Carvalho.
A discussão sobre as agências reguladoras é sazonal. A última vez que o assunto veio à tona foi depois do acidente com o avião da TAM, em 2007. Na época, ninguém discutia o cerne do projeto - se as concessões de outorga devem ser feitas pelos ministérios ou pelas agências. A polêmica era periférica: a possibilidade de se demitir os diretores das agências em caso de falhas na regulação.
A Câmara formou um comissão geral para debater a matéria durante o dia inteiro, ao mesmo tempo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmava: "Eu sou eleito e posso ser tirado. Por que esses caras que não foram votados por ninguém não podem ser substituídos"? Mais de um ano depois, esse debate continua de fora do projeto. Picciani afirma que algumas emendas foram apresentadas nesse sentido e que caberá aos deputados decidir a questão em plenário.
Wanderlino aponta outra falha no texto: a ausência de elementos que projetam as verbas destinadas às agências. "A Constituição Federal prevê que as taxas transferidas pelos operadores dos sistemas não podem ser contingenciadas. Mas o governo pega esses recursos para fazer superávit", reclamou. O presidente da associação não acredita em "captura" das agências pelo setor privado. Acha que os exemplos mais recentes mostram que, se houver ameaças à independência, elas partem do setor público.
Ainda esperançosos de ver algum avanço no projeto de lei, os presidentes e diretores-gerais das dez agências reguladoras entregaram recentemente, à ministra da Casa Civil, um documento conjunto em que dão sugestões ao texto de Picciani. Eles pedem mudanças na figura do ouvidor e a criação de tribunais especializados em regulação econômica.
Para os diretores das agências, a proliferação de ações judiciais e liminares concedidas por varas muito distintas tem prejudicado o trabalho dos órgãos reguladores e, em última instância, os próprios consumidores. (Paulo de Tarso Lyra, com a colaboração de Daniel Rittner)