Título: Terceiro mandato colocaria em risco legado de Uribe
Autor: Luhnow , David
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2009, Especial, p. A12

Álvaro Uribe tinha sete anos quando anunciou à sua família que queria ser presidente da Colômbia. Cinqüenta anos mais tarde, aos olhos de muitos, Uribe é o homem que resgatou seu país do colapso. Álvaro Uribe já recebeu carta de 11 senadores americanos, entre eles Obama, criticando declarações inadequadas

Quando assumiu em 2002, a maior e mais antiga insurreição comunista da América Latina, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ou Farc, era forte o suficiente para lançar morteiros contra o palácio presidencial durante a cerimônia de posse.

Grupos paramilitares de direita atacavam no campo, assassinando suspeitos de apoiar os rebeldes. Em pouco tempo, Uribe pôs as Farc em retirada e convenceu paramilitares a se desarmarem. O dividendo foi um boom econômico.

Ultimamente, porém, a história de Uribe teve algumas viradas complexas. O presidente se negou a descartar busca por um terceiro mandato, algo que a lei colombiana proíbe. Com seus partidários, tem trabalhado para mudar a lei. Seus detratores o acusam de estar se transformando numa figura bem familiar na América Latina: a do caudilho.

A meio caminho de acabar sua segunda gestão, os escândalos estão se acumulando. Quase um quinto do Congresso - na grande maioria seguidores do presidente, inclusive um primo dele - está sob investigação ou na cadeia, sob acusação de ter recebido dinheiro para campanha e outros apoios de grupos paramilitares ilegais.

No mês passado, uma dezena de militares de alto escalão foi envolvida num plano para assassinar civis e vesti-los como combatentes rebeldes para inflar o número de mortos, presume-se que para agradar a seu exigente presidente.

Muita gente em Bogotá e também em Washington dá sinais de que um terceiro mandato poderia pôr em risco o legado de Uribe. "Se ele tivesse saído no final de seu primeiro mandato, teria sido um herói nacional, sem dúvida", diz Guillermo Perry, um colombiano que foi economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe. "Se sair depois da segunda gestão, ainda será um herói nacional, mas com algumas dúvidas. Se continuar na presidência, corre o risco de não ser considerado um herói nacional."

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, um ardoroso crítico dos Estados Unidos, já expressou seu desejo de ficar no poder de forma indefinida. A possibilidade de que Uribe vá na mesma direção poderia se converter numa dor de cabeça para o presidente eleito dos EUA, Barack Obama. Uribe tem sido o aliado mais firme dos americanos na América Latina.

Uribe não debilitou as instituições democráticas como Chávez fez, mas não preparou um sucessor e seu governo é muito personalista. Ele se envolve nas decisões do país a tal ponto que checa os banheiros dos aeroportos provinciais quando viaja a trabalho. Seus críticos o acusam de não tolerar divergências. "Ele representa um risco bem conhecido na América Latina, mas algo novo na Colômbia: um autoritário, um caudilho", diz o ex-presidente César Gaviria.

"Um terceiro mandato não apresenta um bom precedente, em particular quando há vizinhos como Chávez, que pretende fazer o mesmo", diz um funcionário do governo americano.

Os assessores de Uribe comparam a situação da Colômbia à dos EUA durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra, quando Franklin D. Roosevelt foi eleito quatro vezes pelos americanos. As Farc ainda contam com 9.000 homens armados. "Nosso país ainda está em guerra e precisamos terminar a tarefa", diz o vice-presidente Francisco Santos.

Uribe é um advogado magro e literato que usa óculos e é comparado por muitos a um Harry Potter mais velho. Ele se levanta antes das cinco da manhã e só vai dormir depois de meia-noite. Para manter sua energia, faz exercício regularmente, pratica qigong, um exercício chinês de respiração, faz ioga e usa homeopatia.

Há duas facetas de Uribe. Ele é um tecnocrata que estudou em Harvard e Oxford e pratica seu inglês assistindo à BBC todas as manhãs enquanto usa sua bicicleta ergométrica. Jeffrey Immelt, presidente da General Electric Co., visitou a Colômbia em 2005 para conhecer as mudanças por que o país vinha passando sob Uribe. Depois de um reunião de duas horas com o mandatário, Immelt disse a seus assessores: "Esse sim é um presidente executivo."

A outra face vem de ter sido criado numa cultura rural de poderosos proprietários de terras, cavalos e armas. Às vezes, Uribe vê o mundo em preto e branco, como na maneira como trata Carlos Lozano, que edita o jornal semanal "La Voz", do Partido Comunista. Várias vezes, Uribe publicamente chamou o editor de aliado das Farc - palavras perigosas num país em que esquadrões da morte de direita já mataram milhares de esquerdistas. Depois de cada uma dessas tiradas, diz Lozano, o vice-presidente Santos "liga para dizer que o presidente perdeu a cabeça, está arrependido do que disse e vai aumentar minha segurança e reforçar a blindagem do meu carro". Santos confirmou a descrição.

Mais velho de cinco filhos de um rico fazendeiro de grãos, Uribe cresceu na fazenda da família no departamento (o equivalente a um Estado brasileiro) de Antioquia. Seu pai era um homem vivaz que trabalhava arduamente e tinha uma personalidade forte. Uribe, mais taciturno, puxou à mãe, uma pioneira no movimento pelo voto feminino na Colômbia e viciada em política.

A capital de Antioquia, Medellín, ganhou fama mundial como centro de um cartel de cocaína liderado por Pablo Escobar. Na infância, Uribe disputou corridas a cavalo com três parentes distantes, os irmãos Ochoa, que se tornaram chefes do tráfico. A associação de Uribe com tais figuras, embora tênues, o perseguiram em sua carreira, apesar da falta de provas que o ligassem, ou sua campanha, aos traficantes.

Na Universidade de Antioquia, em fins dos anos 70, Uribe se destacou numa atmosfera muito politizada dominada pelos comunistas. "Lembro do primeiro ano de Direito, todo nosso material era marxista", disse ao "Wall Street Journal" em junho no avião presidencial. "Um dia o professor entrou e disse que estava desistindo dos clássicos, e naquele dia deixou de lado Sócrates, Aristóteles, Santo Agostinho. (...) Esse tipo de coisa levou muitos jovens colombianos à guerrilha."

Depois de formar-se, o jovem advogado escalou os quadros do Partido Liberal, um dos dois partidos tradicionais do país, e se tornou senador aos 32 anos e governador de Antioquia em 1995. Como governador, ganhou uma reputação de administrador capaz. De forma muito polêmica, apoiou grupos de vigilância armados de bairros que logo foram acusados de massacrar suspeitos de serem guerrilheiros. Uribe diz que os grupos foram desmantelados logo depois da descoberta de suas ações ilegais.

Uribe conheceu na própria carne o sofrimento causado pela violência das guerrilhas. Em 1983, as Farc assassinaram seu pai numa tentativa de seqüestro na fazenda da família. Uribe encontrou o corpo. Autoridades colombianas dizem que durante sua carreira política Uribe sobreviveu a pelo menos 19 tentativas de assassinato.

Em 1997, o conservador Andrés Pastrana ganhou a presidência com uma plataforma que prometia chegar à paz com as Farc, às quais entregou uma área do tamanho da Suíça para usar como base para as negociações. Os rebeldes, porém, a usaram para realizar seqüestros e ataques. Convencido de que nenhum dos partidos tradicionais acabaria com o conflito, Uribe anunciou sua candidatura com um terceiro partido, tendo por base fazer guerra contra os rebeldes. Depois de uma série de ataques da guerrilha que desgastou o apoio popular às Farc, Uribe ganhou as eleições em 2002 com 53% dos votos, entre vários candidatos.

O novo presidente não perdeu tempo. Conseguiu aprovação para um aumento de impostos emergencial para impulsionar o gasto militar. Andrés Peñate, que então era vice-ministro da Defesa, lembra quando Uribe o chamou e lhe perguntou quantas pessoas haviam sido seqüestradas na Colômbia na semana anterior. Peñate não sabia. "Sete", disse-lhe Uribe. "Quer saber os nomes?" Peñate disse que a partir daí tratou de saber a resposta todas as semanas.

Os críticos observam que a fixação de Uribe em eliminar as Farc o fez descuidar de problemas antigos como a desigualdade, a distribuição da terra e a fraca infra-estrutura.

Sua intervenção na economia também gerou críticas. Ele deu incentivos fiscais para estimular certos setores e aumentou várias tarifas para proteger o comércio. Quando o banco central aumentou os juros para controlar a inflação, Uribe disse que a medida não era necessária. Muitos burocratas de carreira em áreas como o Ministério da Fazenda se demitiram porque achavam que não tinham voz, segundo ex-funcionários do ministério.

Este ano, a maior briga de Uribe foi com a Suprema Corte, que tem investigado o chamado escândalo da parapolítica. Em 2002, grupos paramilitares financiaram as campanhas de muitos dos seguidores de Uribe e usaram a violência para eliminar rivais e intimidar eleitores, segundo documentos e testemunhos. Em outubro, o grupo de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch emitiu um comunicado criticando o governo Uribe por obstruir a investigação da Suprema Corte sobre a parapolítica. Uribe respondeu chamando José Miguel Vivanco, o diretor do grupo para o continente americano, de "cúmplice" e "defensor" das Farc.

Depois de um incidente similar no ano passado, Uribe recebeu uma carta assinada por 11 senadores americanos em que era admoestado por seu histórico de "declarações inadequadas" contra defensores dos direitos humanos, jornalistas, juízes e outros. Entre os subscritores estava Obama.

No final, a decisão sobre se Uribe concorre ou não outra vez pode não depender dele. Pesquisas de novembro mostraram uma forte queda em sua popularidade. Há duas semanas, a Câmara dos Deputados da Colômbia aprovou uma lei proibindo um terceiro mandato para Uribe. Seus aliados logo disseram que iriam tentar modificar a lei no Senado para manter vivas suas esperanças de reeleição. (Colaborou José de Córdoba)