Título: Público oscila entre a esperança e o medo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2009, Internacional, p. A6

Quando Barack Obama mencionou ontem os vários momentos do passado em que os EUA superaram problemas mais desafiadores que os atuais, o professor William Hirzy, 72, soube exatamente do que ele estava falando. Ele nasceu durante a Grande Depressão dos anos 30, cresceu vendo o pai sem emprego e lembra-se até hoje que no inverno só podia tomar banho uma vez por semana, porque sua casa não tinha água quente. AP

Uma multidão estimada em mais de um milhão de pessoas acompanhou a posse de Barack Obama ontem no National Mall, diante do Congresso americano

"A situação é muito delicada atualmente, mas não estamos nem perto do que o país experimentou naquela época", disse Hirzy ontem, quando se juntou à multidão que foi às ruas de Washington para festejar a chegada de Obama ao poder. "Espero que a gente nunca chegue àquele ponto de novo."

Hirzy foi um dos poucos que teve a iniciativa de levar um cartaz para registrar como se sentia. Na frente, ele anotou trechos de um discurso de Martin Luther King, o líder do movimento que levou ao fim da segregação racial nos EUA nos anos 60. No verso, despediu-se do presidente George W. Bush com uma mensagem impublicável.

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Sorriso: Sarah Kodish assiste à cerimônia de posse em Washington O funcionário público aposentado Larry Hurt, 61, também sabia do que Obama estava falando. Hurt ainda se lembra do dia em que foi expulso de um restaurante da sua cidade por um grupo de frequentadores. Eles disseram que negros como ele e sua namorada não podiam ficar ali. Quando Hurt quis discutir, um deles puxou a arma e ameaçou atirar.

"Percorremos um longo caminho neste país", disse Hurt ontem. Ele viajou 11 horas de ônibus para assistir de perto à posse do primeiro presidente negro dos EUA. Na viagem ele conheceu Musa Mateen, 39, dono de uma barbearia que se empolgou tanto com a campanha de Obama que usou seu tempo livre para ajudar a recrutar e alistar dezenas de novos eleitores para levá-lo à Casa Branca.

Mateen está preocupado com as expectativas que o novo governo enfrentará nos seus primeiros meses. A economia vai demorar para se recuperar e ele acha que as pessoas esperam de Obama muito mais do que ele poderá entregar. "Ele precisa de tempo", disse. "As pessoas aos poucos vão entender o que ele está fazendo e vão perceber que ele não é o super-homem que alguns imaginaram que fosse."

O estudante Jerron Gerald, 22, ainda tem fé. "Vai levar tempo para ele consertar a economia, mas ele vai conseguir", disse Gerald, que vai concluir neste ano um curso de marketing na faculdade e foi à festa da posse com uma camiseta irreverente em que o novo presidente americano aparece com chapéu, óculos e colar como se fosse um integrante do Run-D.M.C., um grupo musical muito popular entre os jovens negros na década de 80.

Christian Clemson, 45, tem dúvidas. Na virada do ano, ele perdeu o emprego numa companhia de serviços financeiros em que trabalhou por nove anos, a State Street. A empresa afundou com a convulsão nos mercados financeiros e foi uma das primeiras a recorrer aos cofres do governo em busca de ajuda no ano passado. Clemson não espera arranjar outro emprego antes de seis meses. "Talvez só no ano que vem", disse. AP

Choro: Aleesha Chaney enxuga lágrimas pouco antes do juramento de Obama

Clemson ajudava a cuidar da contabilidade da empresa. Ele viu a bolha do mercado imobiliário americano inflando e depois assistiu seu colapso. "Foi bom enquanto durou, e os bônus eram excelentes", contou. "Ninguém pensava que ia ser para sempre, mas ninguém achava que o tombo seria tão grande."

Americanos de todas as cores e idades acordaram de madrugada para enfrentar o frio e participar da posse. Os mais animados saíram das estações de metrô congestionadas entoando refrões da campanha. Um grupo de estudantes registrou tudo que viu em cadernos de desenho. A maioria preferiu tirar fotografias com máquinas digitais e telefones celulares.

Agências de notícias estimaram que 2 milhões de pessoas compareceram. É possível calcular que um quarto delas tenha chegado antes do nascer do sol. Jovens dançaram para espantar o frio. Grupos de amigos e famílias inteiras se deitaram no chão gelado com cobertores, jornais e papelão para esperar Obama. Os mais prevenidos trouxeram cadeiras.

Pessoas que nunca tinha se visto antes passaram o tempo conversando como velhos conhecidos, refletindo sobre suas experiências individuais e a história do país. Estranhos se cumprimentavam e trocavam gentilezas, como raramente se faz numa cidade como Washington. Alguns acompanharam o discurso de Obama como se estivessem numa igreja, manifestando aprovação com gritos e palmas.

Houve pequenas surpresas. A terapeuta ocupacional Estela Canizares, 36, ganhou na última hora um ingresso para a área reservada para convidados aos pés do Capitólio, o edifício em que o Congresso americano funciona e onde Obama tomou posse. Espertalhões que puseram seus ingressos à venda na internet pediam US$ 500 na semana passada. Estela conseguiu o seu de graça, presente de uma ex-voluntária da campanha de Obama que conheceu no metrô quando estava a caminho da festa.

Quem não chegou tão perto assistiu tudo pelos telões espalhados pelo enorme passeio público que liga o Capitólio aos monumentos que compõem a face mais conhecida da cidade. Gente do mundo inteiro fez questão de testemunhar a consagração de Obama. O professor indiano Selva Selvakumar, 59, que vive no Canadá, dirigiu quase dois dias inteiros para chegar a tempo de assistir à posse ao lado de um casal de amigos que mora na Califórnia. "Nunca acompanhei com grande interesse a política no meu país ou no Canadá", afirmou Selvakumar. "Mas isto aqui é diferente."

Os vendedores de bugigangas tiveram um dia cheio. Uma camiseta com o rosto de Obama costurada na Nicarágua custava US$ 10 nas saídas das estações de metrô. Nas lojas credenciadas para armar barracas no passeio público onde a multidão se espalhou, a mesma camiseta custava US$ 15. Lojas do centro da cidade cobravam US$ 18 pela mercadoria poucas semanas atrás.

As bandeirinhas eram de graça e batalhões de voluntários passaram a manhã distribuindo-as para quem quisesse. "Nunca nossa imagem externa foi tão ruim, mas nunca um presidente americano despertou tanta esperança lá fora", disse um deles, Hal Gray, 69, funcionário de uma agência do governo que financia projetos de desenvolvimento em países mais pobres.

Cada vez que a multidão agitava as bandeirinhas para aplaudir a chegada dos políticos e das celebridades que foram à posse, Gray olhava o ar pintado de azul, vermelho e branco contente como uma criança. Faltava pouco para o discurso de Obama começar quando ele entregou mais duas para a consultora Vern Ceff, 48. "Eu amo o meu país, mas nunca agitei uma bandeira americana até hoje", ela contou a Gray. "Pegue quantas quiser", ele respondeu.