Título: Obama assume a Presidência e alerta americanos para sacrifícios
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Fonte: Valor Econômico, 21/01/2009, Internacional, p. A6

Barack Obama tomou posse como o 44º presidente dos EUA e conclamou o país a colocar de lado a ganância, a irresponsabilidade e o "nosso fracasso coletivo em fazer escolhas difíceis", para afastar as "tempestades" da guerra e da recessão. Em um pronunciamento ambicioso de 18 minutos, cheio de alusões à Bíblia e aos textos sagrados da democracia americana, Obama procurou obliterar as tradicionais divisões entre conservadorismo e liberalismo para refazer a política americana. Sem mencionar nomes, ele lançou uma reprimenda sutil a George W. Bush e aos republicanos que controlaram o governo federal pela maior parte da última década, os quais há não muito tempo disseram que Obama não estava preparado para ocupar o Salão Oval. AP

Fazendo história: sorridente, Barack Hussein Obama presta juramento como novo presidente dos Estados Unidos ao lado de sua mulher, Michelle

"Neste dia, nós nos reunimos porque escolhemos a esperança, e não o medo, a unidade de propósitos, e não o conflito e a discórdia. Neste dia, viemos proclamar o fim dos pequenos ressentimentos e das falsas promessas, as recriminações e os dogmas ultrapassados que por tanto tempo dominaram nossa política", disse Obama. "Chegou a hora de reafirmar nosso espírito mais resignado; de escolher nossa melhor história; de levar adiante esse presente precioso, da nobre idéia passada de geração para geração: a promessa feita por Deus de que todos são iguais, todos são livres e todos merecem a chance de buscar por completo a felicidade."

Os EUA, disse Obama, são um país jovem, "mas, nas palavras das Escrituras, chegou a hora de deixar de lado as coisas infantis".

Obama discursou para mais de de 1 milhão de pessoas do lado oposto ao Memorial de Lincoln, onde 45 anos atrás Martin Luther King Jr. conclamou o país a julgar as pessoas pelo seu caráter, e não pela cor da pele. E exatamente ao meio-dia (15h em Brasília), Obama se tornou presidente dos EUA, o primeiro afro-americano a ocupar o cargo. Cinco minutos depois, ele pôs a mão sobre a Bíblia usada por outro presidente vindo de Illinois, Abraham Lincoln, e, usando seu nome completo, Barack Hussein Obama, jurou preservar, proteger e defender a Constituição.

A banda dos fuzileiros navais tocou "Hail to the Chief" para ele pela primeira vez e multidões comemoraram de Washington a Nova York e à Califórnia.

Obama reconheceu a importância do momento para um país onde a raça é subliminarmente uma questão dolorosa. Filho de um queniano que pastoreou cabras, Obama já disse várias vezes que em nenhum outro país sua história de vida seria possível. Ontem, ele fez a ligação entra a história de imigrante de seu pai e a herança de segregação vivida por muitos dos afro-americanos vindos de toda a parte do país para a cerimônia. "Um homem cujo pai, há menos de 60 anos não seria servido em um restaurante local, agora está diante de vocês para fazer o juramento sagrado", disse.

Mas foi uma das poucas referências que ele fez a si mesmo ou ao passado. Insistiu mais na visão de um país que deve superar as divisões de raça e religião.

"Por termos experimentado o fel da Guerra Civil e da segregação, e termo emergido desse capítulo sombrio mais fortes e mais unidos, não podemos deixar de acreditar que os velhos ódios passarão."

Mas Obama contrabalançou realismo com idealismo. Ele lembrou aos espectadores de que o país está em guerra contra "aqueles que tentam alcançar seus objetivos usando o terror e a morte dos inocentes" e enfrenta os desafios domésticos de uma economia que está devastando vidas e acabando com negócios, de um sistema de saúde que drena o Tesouro apesar de deixar muitos sem assistência, do consumo de energia que está aquecendo o planeta e do sistema de educação que fracassa com tantas crianças.

Ele prometeu "ação ousada e rápida" e atacou os que "questionam o tamanho de nossas ambições".

"O que os cínicos não conseguem entender é que o chão mudou sob eles - que as discussões políticas travadas que nos consumiram por tanto tempo já estão ultrapassadas", disse Obama. "A pergunta que nos fazemos hoje não é se o governo é grande demais ou pequeno demais, é se funciona."

Quatro anos atrás, George W. Bush dedicou seu segundo discurso de posse para prometer espalhar a democracia pelo mundo. No cargo, Bush defendeu os princípios do mercado livre. A mensagem de Obama foi de que traria uma abordagem diferente tanto para os problemas domésticos quanto para a política externa.

O poder do mercado livre "de gerar riqueza e de expandir a liberdade não tem paralelo", ele advertiu, "mas essa crise nos lembrou que, sem um olhar vigilante, o mercado pode sair do controle. O país não pode prosperar quando favorece apenas os prósperos".

Em relação à política externa, ele fez uma das maiores críticas em relação ao governo que sai. "Rejeitamos a falsa escolha entre nossa segurança e nossos ideais", proclamou, um dia antes de decretar, como se espera, o começo do fechamento da prisão em Guantánamo e o fim das técnicas duras de interrogatório que ele já chamou de tortura.

"A todos os outros povos e governos que estão nos assistindo hoje, das grandes capitais ao pequeno vilarejo onde meu pai nasceu, saibam que os EUA são amigos de todos os países e todos os homens, mulheres e crianças que procuram por um futuro de paz e dignidade. E que estamos prontos para liderar de novo", disse.

Já no começo da tarde de ontem, o site oficial da Casa Branca mostrava uma grande foto de Obama com a legenda: "A mudança chegou à América".

Mas no dia de estréia do novo governo a crise financeira que o espera se fez sentir claramente. A média do índice Dow Jones caiu 4%, a pior marca já registrada durante uma posse presidencial. A queda se deveu a novos temores em relação à saúde dos bancos.

Os adversários políticos de Obama tampouco estão dando trégua. Mesmo antes de seu juramento, o senador republicano John Cornyn, do Texas, conseguiu adiar a votação de confirmação de Hillary Clinton como secretária de Estado, argumentando que as instituições de caridade e a biblioteca do marido receberam doações de governos estrangeiros. Hoje, o indicado para secretário do Tesouro, Timothy Geithner, enfrenta o Comitê de Finanças do Senado para explicar impostos não pagos na época certa.

Em seu primeiro dia na Casa Branca, Obama vai se encontrar com o arquiteto da atuação de hoje no Iraque, o general David Petraeus, para dar ordens de um início de retirada das tropas de combate do país. Amanhã, membros do movimento antiaborto vão se concentrar em Washington para lembrar o aniversário da decisão da Suprema Corte que descriminalizou o aborto, bem no momento em que Obama se prepara para reverter as restrições de financiamento a organizações internacionais que defendem o planejamento familiar.

Mas, pelo menos ontem, Obama e Washington usufruíram de um raro momento de harmonia. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas para a festa de posse. Milhões assistiram à cerimônia no país e no mundo.

Antes de Obama falar, o pastor evangélico Rick Warren fez uma prece. A escolha de Warren, um duro oponente do casamento de pessoas do mesmo sexo, enfureceu os ativistas dos direitos homossexuais, mas assinalou o interesse do novo presidente em chegar a todos os americanos que não fazem parte de sua base política.

Durante parte da manhã, Obama e sua família foram a um culto da Igreja Episcopal, uma tradição para os que se tornam presidentes. A família do vice-presidente Joe Biden também foi. Os Obama acenaram para os passantes enquanto entraram na igreja sob o aplauso dos 200 presentes.

O bispo Charles Blake, de Los Angeles, provocou murmúrios e risadas quando abençoou os Obama e fez votos de que eles "completassem os dois mandatos no cargo" mais fortes do que estão agora.

O bispo T.D. Jakes, de Dallas, ofereceu lições para o governo. A primeira: "Em tempos de crise, os homens bons têm de se apresentar"; a segunda: "Não se pode mudar o que não confrontamos"; a terceira: "Não se pode aproveitar a luz se não enfrentarmos o calor"; e, por fim: "Tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias". Assim começou o governo Obama.