Título: Para Mangabeira, é hora de recriar parceria com EUA
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2009, Internacional, p. A8

O governo brasileiro deve tomar a iniciativa, deixar de lado temporariamente questões como as disputas comerciais em torno das barreiras americanas a produtos brasileiros e aproveitar a chance de um novo tipo de parceria com os Estados Unidos, defende o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. "Temos uma janela de oportunidade; os Estados Unidos estão vivendo um momento extraordinário de questionamento", defendeu o ministro, que aponta três setores para projetos comuns: energia renovável, programas de melhoria da educação básica e técnica, e apoio a pequenas e médias empresas.

"Temos uma oportunidade singular para negociar com os EUA um conjunto de ações comuns", garantiu o ministro, em entrevista para o programa "3 a 1" da "Rede Brasil". Para Mangabeira, que foi professor do novo presidente americano na Universidade de Harvard, o Brasil deve aproveitar a disposição do governo americano em promover mudanças e negociar programas conjuntos com "inovações experimentais, capazes de soerguer as pessoas comuns".

"Não é momento de ficar vidrado nas pequenas negociações mercantis, o mais inteligente é voltar a elas depois, à luz destas inciativas que proponho", argumenta. Ele diz que os dois países podem criar juntamente os padrões para garantir aos agrocombustíveis, como o etanol, um mercado mundial. Também teriam experiências a trocar no estímulo às pequenas e médias empresas, capazes de gerar emprego e promover inovações, defende. "Temos de levar mais dessas empresas para a vanguarda das práticas e tecnologias, no contexto da crise mundial, ligar financiamento á produção."

Em educação, tanto EUA quanto Brasil enfrentam o problema de criar padrões nacionais de qualidade e lidar com um sistema descentralizado de gestão, estadual ou municipalmente. O Brasil tem de ter modelos, que podem ser criados com os EUA, com participação federal para eliminar as deficiências do ensino local, defende.

"Isso não é ideologia abstrata, não é negociação comercial, é experimentar a forma institucional do mercado e da democracia", diz o ministro, entusiasmado.

"Temos um contencioso comercial existente com os EUA a respeito de temas como o protecionismo agrícolas e a rivalidade com o etanol feito por nós" reconhece Unger, para quem essas divergências, dependentes de consenso no Congresso onde são fortes os lobbies empresariais, não serão resolvidas "instantaneamente".

"O mais sábio seria simplesmente colocá-las de lado no momento e abrir essas novas frentes, iniciativas magnânimas e audaciosas", insiste. Mangabeira - que não gosta que o chamem de Mangabeira Unger por considerar o nome duplo "pretensioso" - defendeu também que o governo brasileiro tome a inciativa de procurar a nova administração Obama para participar, com ela, da discussão sobre as saídas para a crise financeira internacional. Ele esteve recentemente nos EUA, para conversar com futuros colaboradores do novo presidente, e voltou decepcionado com as propostas do futuro governo, que considerou muito limitadas.

"Até agora prevaleceram na discussão da crise temas importantes porém superficiais", analisa ele, que lista, entre esses temas, a necessidade de regulação dos mercados financeiros e a de adotar políticas monetárias expansionistas (menor controle do dinheiro disponível no mercado, como forma de estimular a demanda por mercadorias). Esse é um "receituário do século passado", critica.

Para enfrentar com êxito as ameaças à economia global, será preciso estabelecer medidas para reduzir o desequilíbrio entre países grandes poupadores e com superávits comerciais, como a China e os grandes devedores, com déficits no comércio, como os Estados Unidos, adianta. A regulação no mercado não pode se limitar a impedir os abusos, mas deve levar à "reconstrução da poupança e da produção", levando os ganhos do mercado a se basearem mais na produção física de bens e serviços que na especulação financeira, defende.