Título: Estados e municípios vão bancar 35% da renúncia fiscal
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2008, Brasil, p. A3
Fazendo favor com o chapéu alheio." É assim que especialistas em contas públicas e impostos definem o pacote tributário divulgado pelo governo federal na última semana. A explicação é simples. Dos R$ 8,4 bilhões de renúncia fiscal, R$ 5,9 bilhões correspondem a benefícios de Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), justamente os dois tributos cujo resultado de arrecadação é dividido com Estados e municípios. Da renúncia com esses dois tributos, praticamente metade - R$ 2,93 bilhões, ou 49,69% - será custeada pelos caixas estaduais e das prefeituras. Do pacote total, esta parcela representa 35%. Anna Carolina Negri / Valor
Clóvis Panzarini, ex-coordenador do Confaz: União fez favor com chapéu alheio
Clóvis Panzarini, ex-coordenador de administração tributária e ex- coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), lembra que da arrecadação líquida de IR, 48% compõem os fundos de repasse obrigatório da União a Estados e municípios, além dos financiamentos regionais. Do IPI, a parcela é maior. Do total arrecadado com o imposto, além dos mesmos repasses do IR, há ainda uma transferência obrigatória da União aos Estados conforme o desempenho das exportações. "No IPI, um total de 58% é transferido para Estados e municípios. É muito fácil fazer renúncia com os recursos dos outros."
Os R$ 2,93 bilhões que deixarão de ser recebidos por Estados e municípios no próximo ano em função do pacote da União correspondem a 4,86% dos R$ 60,34 bilhões distribuídos pelo governo federal aos governos estaduais e prefeituras de janeiro a setembro de 2008.
Pedro César da Silva, consultor da ASPR Auditoria e Consultoria, lembra que no próximo ano essa renúncia fiscal deve pesar ainda mais para Estados e municípios. Ele explica que em 2008 os repasses obrigatórios aumentaram muito em razão do bom desempenho de arrecadação do Imposto de Renda, alavancada nos últimos meses principalmente em razão do de rentabilidade das empresas. "No próximo ano, com a perspectiva de desaceleração econômica, a tendência é que o lucro das empresas caia, levando a um menor recolhimento do IR." Até setembro, último dado divulgado pelo Tesouro Nacional, os repasses foram 21,1% maiores na comparação com o mesmo período de 2007.
"A União tem um poder muito grande ao lançar um pacote que compromete as receitas de Estados e municípios", diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ele diz desconhecer qualquer consulta às prefeituras. "Obviamente somos a favor de um pacote tributário", diz. Para ele, porém, o governo poderia ter adotado medidas alterando tributos que não fizessem tanta diferença para as contas dos municípios. "A renúncia poderia ter sido feito por meio das contribuições sociais, por exemplo."
Panzarini aponta a mesma alternativa. "As reduções poderiam ter acontecido no PIS e na Cofins." No caso do setor automotivo, por exemplo, em vez da redução do IPI, poderia ter sido feita uma diminuição de alíquotas do PIS e da Cofins cobrados nesse setor especificamente. Isso, diz, diminuiria a cobrança sobre o faturamento das empresas e alteraria exatamente os tributos cuja carga foi elevada nos últimos anos. "Essa foi uma escolha do governo federal exatamente porque essas duas contribuições não entram no bolo dividido com Estados e municípios."
Para Ziulkoski, a participação de Estados e municípios na renúncia fiscal anunciada pelo governo é desproporcional à sua fatia na arrecadação total de tributos no país. "Como a participação da União na carga tributária total é muito maior, sua renúncia também deveria ser, já que o governo federal tem fontes de receitas muito mais diversificadas que as das demais administrações." Para ele, a falta dos recursos deverá agravar ainda mais as perspectivas de queda de arrecadação própria para as prefeituras. Devem ser mais prejudicados os Estados e municípios mais pobres, já que as transferências da União seguem o princípio da redistribuição de renda das regiões mais ricas para as mais pobres. Esse efeito, lembra Ziulkoski, deverá ser sentido rapidamente, já que as regras novas do IR valerão a partir de janeiro de 2009 e as mudanças no IPI já estão em vigor.