Título: Mercosul mantém cobrança dupla da TEC
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2008, Especial, p. A16

Fracassou a tentativa de eliminação da cobrança dupla (ou múltipla) da Tarifa Externa Comum (TEC) na importação de produtos pelos países do Mercosul. Por causa da oposição do Paraguai, os chanceleres das quatro nações que integram o bloco não chegaram ontem a um acordo, frustrando expectativa do governo brasileiro, que na semana passada dava como certa a aprovação da medida. Sem ela, o Mercosul continuará tendo dificuldades para negociar acordos de livre comércio com outros blocos, especialmente, com a União Européia (UE). Jorge Araujo/Folha Imagem

Celso Amorim: a não eliminação da cobrança dupla da TEC "vai nos criar problemas para a integração das cadeias produtivas na região"

"Vai nos criar problemas para a integração das cadeias produtivas na região. Os países menores são os que mais se beneficiam dessa integração", criticou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao anunciar os resultados da reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), a instância negociadora máxima do Mercosul. Atualmente, um produto importado pelo Brasil, por exemplo, paga a TEC na entrada e na reexportação para outros países do bloco. Na prática, essa cobrança inviabiliza o livre trânsito de mercadorias dentro do bloco.

Em 2004, os países do Mercosul decidiram acabar com a dupla cobrança, mas a implementação da medida esbarrou em inúmeros obstáculos e, por isso, nunca foi regulamentada. O governo do Paraguai alega que o fim da dupla cobrança da TEC provocaria forte renúncia fiscal, uma vez que as receitas aduaneiras representam uma parcela significativa da arrecadação tributária naquele país.

Nas negociações sugeriu-se a criação de um mecanismo de compensação para as perdas aduaneiras decorrentes da eliminação da dupla cobrança. A idéia era repartir a receita tributária da tarifa quando um produto importado pelo Mercosul fosse reexportado para dentro do bloco. "Há no Paraguai incerteza sobre o mecanismo de transferência. É natural. É uma economia pequena e vulnerável", ponderou o chanceler Celso Amorim.

O Brasil propôs também que a eliminação da dupla cobrança fosse feita em quatro etapas, atingindo, em um primeiro momento, apenas as mercadorias que pagam TEC de 2%. Numa segunda etapa, chegaria aos produtos que pagam TEC de 4% e, em um terceiro momento, aos que são taxados em 6%, antes de se negociar a extensão da medida para todos os níveis tarifários.

O chanceler brasileiro começou a reunião do CMC fazendo um desabafo sobre a "frustração" quanto à falta de um acordo sobre a dupla cobrança. Uma tentativa de acordo foi feita por diplomatas dos quatro países em intensas reuniões realizadas no fim de semana, no balneário de Costa do Sauípe. O Itamaraty acreditava num final feliz.

"Isso traz conseqüências. A não-eliminação vai dificultar a negociação com outros blocos, sobretudo, com a UE. Eles (os europeus) alegam que o fato de não haver livre trânsito de mercadorias no bloco impede a negociação de um acordo de livre-comércio. É uma pena. Fizemos o máximo de esforço", lamentou Celso Amorim após a reunião do CMC. "(Isso) nos foi jogado na cara na negociação com a UE", disse ele depois, durante entrevista coletiva.

Amorim informou que haverá uma reunião extraordinária do Conselho do Mercosul, dentro de dois ou três meses, para retomar a negociação sobre a dupla cobrança da TEC. O encontro ocorrerá sob o comando do Paraguai - até a reunião de cúpula do Mercosul agendada para hoje, a presidência temporária é do Brasil. Assim como não houve acordo quanto à dupla cobrança da TEC, fracassou também a negociação de um código aduaneiro para harmonizar os procedimentos de importação nos quatro países do Mercosul. Essa foi a terceira tentativa frustrada de se chegar a um acerto.

O chanceler Celso Amorim fez questão, no entanto, de celebrar os avanços. Já está acertado que, no encontro de cúpula, os presidentes dos quatro países do bloco ratificarão a criação do Fundo de Garantia do Mercosul para Pequenas e Médias Empresas. Esse fundo terá US$ 100 milhões, 70% dos quais com recursos do governo brasileiro, e ajudará a financiar empresas fornecedoras de cadeias que promovam a integração produtiva no bloco.

Na reunião de cúpula, os presidentes deverão autorizar a possibilidade de contribuições voluntárias para o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), usado para financiar projetos de investimento produtivo que diminuam as assimetrias existentes nas economias do bloco. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar, nesta terça-feira, que o Brasil dobrará, para US$ 140 milhões, a contribuição anual brasileira a esse fundo.

Os chanceleres debateram ontem o "impacto social" da crise internacional e aprovaram a criação do Instituto Social do Mercosul - uma espécie de "Ipea social". Lançaram ainda um "plano de ação social" do Mercosul, voltado para replicar na região experiências bem-sucedidas de combate à pobreza.