Título: Câmara de costas para o Executivo
Autor: Tahan, Lilian ; Medeiros, Luísa
Fonte: Correio Braziliense, 19/02/2010, Cidades, p. 29

Quase três meses depois, distritais decidem enfrentar a crise no Governo do DF e aprovam abertura de impeachment contra Arruda. Também recomendam Paulo Octávio a renunciar

Deputados aliados e de oposição agora não divergem sobre a necessidade de decidir o futuro da dupla José Roberto Arruda e Paulo Octávio

A mesma Câmara Legislativa que demorou meses até tomar uma atitude sobre os pedidos de impeachment contra o governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) num dia só, o de ontem, aceitou as ações contra Arruda na parte da manhã e contra o governador em exercício, Paulo Octávio, à tarde. Finalizou com a criação da comissão especial, que julgará o futuro da dupla no comando do Poder Executivo. Com decisão, começa a tramitar oficialmente os processos que poderão culminar no afastamento definitivo de Arruda e Paulo Octávio e na perda de direitos políticos por, pelo menos, cinco anos.

A primeira decisão sobre os processos de impeachment foi direcionada a Arruda. Passava um pouco das 10h quando os cinco integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) se reuniram no plenário da Câmara para a leitura do parecer elaborado pelo relator dos processos, Batista das Cooperativas (PRP). Em 18 páginas, o distrital tentou expressar coerência entre sua postura de apoio ao governo nos últimos anos e a decisão de prosseguir com os processos contra Arruda na Câmara. ¿Acatar os pedidos de impeachment e dar início ao processo não significa reconhecer culpa, não significa dar veredicto, não significa condenar. Permitir que o processo se inicie oportuniza o amplo contraditório, dar aos acusados o direito a ampla defesa e permite à sociedade que acompanhe com transparência republicana o desenrolar dos acontecimentos.¿

O relator foi acompanhado pelos outros quatro integrantes da CCJ ¿ Bispo Renato (PR), Chico Leite (PT), Paulo Roriz (DEM) e Cristiano Araújo (PTB) ¿ que aceitaram três dos 18 processos de impedimento ingressados na Câmara Legislativa. Como a comissão especial também foi criada ontem, abre-se um prazo de 10 dias (no máximo) para que os distritais decidam se a denúncia deve ou não ser aceita pela Câmara. Em seguida, elaboram um parecer que será levado a julgamento em plenário. Se a decisão da comissão especial for pela admissão da denúncia e os deputados em plenário concordarem com o posicionamento dos colegas, será dado prazo de 20 dias para a defesa de Arruda. Nessa etapa, o caso novamente será submetido ao plenário, momento em que, entendem alguns juristas, é o prazo-limite para a renúncia do governador afastado sem a perda dos direitos políticos.

Julgamento Se a maioria absoluta dos deputados (16) decidir pelo impedimento do governador afastado, a Casa publica um decreto legislativo suspendendo o exercício das funções de Arruda, o que poderá se estender por até 120 dias. Depois disso, o afastamento definitivo terá de ser julgado por um tribunal misto, formado por cinco distritais, cinco desembargadores e presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça do DF.

Enquanto o destino de Arruda na Câmara ainda era discutido em plenário, a assessoria jurídica da Casa preparava um parecer a favor da admissibilidade dos processos de impeachment contra Paulo Octávio. A apreciação da análise técnica na CCJ chegou a ser cogitada pelo deputado Chico Leite (PT) durante a discussão dos processos contra Arruda. A sugestão do petista foi sumariamente descartada pelos colegas, que consideravam a hipótese ¿açodada¿ e ¿fora de hora¿.

A desistência de Paulo Octávio em renunciar, no entanto, mudou tudo na Câmara. A começar pelo presidente da Casa, Wilson Lima, os distritais ficaram furiosos com a atitude inesperada do governador em exercício. E decidiram dar um troco à altura. Abriram a sessão, que até então estava programada para definir apenas os integrantes da comissão, e votaram em plenário a admissibilidade dos processos contra o governador em exercício. Foram 14 votos a favor da tramitação das ações.

Oposicionistas e ex-aliados do governo deixaram claro na segunda rodada da sessão de ontem ¿reaberta às 20h só para tratar desse assunto ¿ que o novo chefe do Executivo local não terá sustentação política na Casa para a desejada governabilidade. Após elaborar em 15 minutos o relatório favorável à admissibilidade dos pedidos de afastamento de Paulo Octávio, o relator da CCJ, Batista das Coopertativas (PRP), convocou ao plenário para votar pela aceitação ou não a abertura dos processos de impeachment. Numa rápida votação, 14 deputados decidiram prosseguir com as investigações.

Até poucos dias atrás, Batista das Cooperativas considerava um ¿absurdo¿ os pedidos de afastamento contra Paulo Octávio, já que as denúncias que recaem contra ele são relativas ao período em que era o vice-governador do DF. Ontem, o aliado do governo mudou o entendimento do caso. ¿O cenário mudou. Estamos numa crise política sem precedentes¿, justificou. Após a votação pelo prosseguimento dos pedidos de impeachment, uma comissão formada por seis deputados foi dar a notícia a Paulo Octávio, que os aguardava no anexo do Buriti. ¿Viemos aconselhá-lo a renunciar porque não há sustentação política na Câmara¿, afirmou Paulo Tadeu (PT).

Próximos passos

1 - O mérito dos pedidos de impeachment contra o governador afastado do DF, José Roberto Arruda (sem partido), e o governador em exercício, Paulo Octávio (DEM), serão analisados pela Comissão Especial da Câmara Legislativa. A primeira reunião está prevista para as 10h de segunda-feira.

2- Os integrantes da comissão têm 10 dias para decidir se aceitam ou não as denúncias e emitirem um parecer. O resultado é levado ao plenário para votação.

3 - Caso seja aberta a investigação, os acusados têm 20 dias para se defenderem. Os integrantes da comissão dão um parecer sobre a procedência da acusação. Os deputados apreciam em plenário o parecer, em votação aberta e nominal.

4 - Se o parecer receber pelo menos 16 votos, a Câmara emite decreto suspendendo o exercício das funções de governador. Será criado um tribunal especial composto por cinco distritais e cinco desembargadores para julgar o impeachment dos investigados.

Populares pedem pressa

Mariana Moreira Carlos Moura/CB/D.A Press Abordado por manifestantes, um padre rezou um Pai-Nosso pelo bem da Câmara Legislativa

Do lado de fora da Câmara Legislativa do Distrito Federal, estudantes, sindicalistas e trabalhadores se mobilizaram para pedir rapidez na apuração das denúncias contra membros do governo e alguns parlamentares locais. ¿A ideia é pressionar a Câmara para dar celeridade ao processo de impeachment de Arruda e também prosseguimento às denúncias contra os parlamentares. Brasília está um barco à deriva¿, afirmou a presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Distrito Federal, Rejane Pitanga. Ela acredita que a decisão da Casa de votar pela autorização do processo de impeachment do governador afastado só foi tomada por causa da prisão preventiva. A intenção dos membros da CUT era entrar na galeria e acompanhar a sessão que definiria a comissão especial para julgar o pedido de perda do mandato do governador.

O presidente do PT-DF, Roberto Policarpo, foi à Câmara dar apoio ao protesto. Segundo ele, é preciso que a Câmara cumpra seu papel. ¿Esperamos que a Casa apresse a decisão sobre o destino do governador Arruda, aprecie os pedidos de impeachment contra o governador em exercício, Paulo Octávio, e apure a participação dos deputados. Se fizer isso, começará a atender aos clamores da população¿, salientou.

Pouco antes do horário marcado para a sessão, cerca de 15h30, um grupo de jovens integrantes do Movimento Fora Arruda sentou-se em frente à entrada principal do prédio e abriu uma bandeira do Brasil pichada com frases que pediam a saída de Arruda, Paulo Octávio e demais integrantes do governo envolvidos nas denúncias de corrupção. Ao lado da bandeira, uma maleta prateada com a palavra propina cuspia cédulas de real pelas frestas. O megafone era usado para amplificar os versos da Oração da propina, texto atribuído a uma professora aposentada. Um padre se aproximou da porta da Câmara e foi abordado por um dos manifestantes. A pedido dele, rezou um Pai-Nosso pelo bem do Legislativo local e entrou no prédio.

Oração da Propina (autor desconhecido)

¿Valei-me Nossa Senhora Do reino da pedra fina Tanta meia recheada Com o níquel da fedentina! No pisotear da grana Reza em coro a ratazana A oração da propina¿

Reunidos na segunda

A Comissão Especial da Câmara Legislativa criada para analisar o mérito dos três pedidos de impeachment contra Arruda e Paulo Octávio, respectivamente, terá a primeira reunião na próxima segunda-feira, às 10h. Os cinco integrantes terão que eleger o presidente, o vice-presidente e o relator dos pedidos contra os políticos. Antes disso, o governador em exercício, Paulo Octávio, tentará mais uma vez convencer os deputados a darem apoio político a ele.

Surpresa A notícia da aprovação unânime dos pedidos de afastamento do cargo deixou Paulo Octávio furioso e, segundo assessores, decepcionado. Amanhã, ele espera reunir-se, às 11h, com os líderes das bancadas. O local do encontro ainda não foi divulgado. ¿Ele ficou surpreso com o que aconteceu na Câmara. Mas a renúncia que não aconteceu criou mais instabilidade no DF do ponto de vista político¿, analisou Paulo Tadeu (PT).

As duas vagas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Codeplan ¿ que irá investigar denúncias de corrupção nos 19 últimos anos de gestão no governo ¿ foram preenchidas ontem por indicação do presidente da Câmara, Wilson Lima (PR). A deputada Eliana Pedrosa (DEM) entra no lugar de Geraldo Naves, do mesmo partido, que está preso, e José Antônio Reguffe (PDT) ocupa o lugar deixado por Alírio Neto (PPS ). A próxima reunião será quarta-feira, às 10h. (LM)

Integrantes da Comissão Especial

Batista das Cooperativas (PRP) Chico Leite (PT) Cristiano Araújo (PTB) Paulo Roriz (DEM) Reguffe (PDT)

Ainda não foi decidido quem será o presidente, vice-presidente e relator